Sudão: ONU pede investigação sobre mortes em protesto
AFP | Reuters | Lusa | tms
30 de julho de 2019
A ONU pediu uma investigação sobre a morte de cinco jovens, incluindo quatro estudantes, durante uma manifestação pacífica no centro do Sudão. Militares garantiram "responsabilização imeditada" dos envolvidos.
Publicidade
A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu esta terça-feria (30.07) uma investigação sobre o assassinato de cinco jovens, incluindo quatro estudantes, na segunda-feira, durante uma manifestação no Sudão.
Os manifestantes pressionavam os dirigentes militares para transferir o poder para os civis antes da continuação das negociações sobre a transição política do país nesta terça-feira. Também protestavam contra a falta de pão e combustível na cidade de Al-Obeid, no centro do país.
A confirmação das mortes dos cinco jovens foi avançada por um comité de médicos próximo do movimento de constação sudanês. Num comunicado, este comité afirmou que as vítimas participavam numa manifestação pacífica quando foram atingidas pelos disparos dos atiradores das Forças de Intervenção Rápida.
O UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, pediu às autoridades que "investiguem e responsabilizem todos os responsáveis pela violência contra os jovens".
"Nenhum adolescente deve ser enterrado com o seu uniforme escolar", lamentou a agência da ONU num comunicado, acrescentando que os estudantes mortos tinham entre 15 e 17 anos de idade.
Toque de recolher
As autoridades anunciaram um toque de recolher noturno em quatro cidades no estado de Kordofan do Norte após as mortes em Al-Obeid, já que o principal grupo de protesto, a Associação de Profissionais do Sudão, pediu manifestações em âmbito nacional contra o "massacre". Todas as escolas daquele estado foram instruídas a suspender as aulas.
"As forças Janjaweed e alguns franco-atiradores, sem misericórdia, confrontaram estudantes com munição real", disse a SPA, referindo-se à Força de Intervenção Rápida, que tem suas origens em milícias árabes originalmente desdobradas para reprimir uma rebelião das minorias étnicas que explodiu em Darfur, no oeste do Sudão, em 2003.
A SPA disse que mais de 60 pessoas ficaram feridas. "Os mortos são jovens e isso aumenta a brutalidade desse incidente covarde", disse um líder de protestos, Ismail al-Taj, numa manifestação em Cartum.
Médicos ligados ao movimento de protesto dizem que mais de 250 pessoas foram mortas em violência relacionada a protestos desde dezembro, quando começaram as manifestações contra o Presidente deposto, Omar al-Bashir.
"Responsabilização imediata"
Entretanto, o chefe do conselho militar do Sudão disse esta terça-feira que deve haver uma responsabilização dos envolvidos na morte dos jovens durante o protesto, segundo a agência de notícias estatal SUNA.
"O que aconteceu em Al-Obeid é algo lamentável e perturbador e a morte de cidadãos é inaceitável e rejeitada. É um crime que exige responsabilidade imediata", disse Abdel Fattah al-Burhan.
Negociações suspensas
As mortes dos adolescentes fizeram com que as negociações planeadas para esta terça-feira fossem suspensas, já que vários líderes de protestos que negociavam com os generais do Governo deslocaram-se para Al-Obeid.
"Não podemos sentar à mesa de negociações com as pessoas que permitem o assassinato de revolucionários", disse num comunicado Siddig Youssef, um proeminente líder do protesto.
As negociações de terça-feira tratariam de questões que incluem os poderes do órgão conjunto civil-militar, o destacamento de forças de segurança e a imunidade para os generais em relação à violência relacionada a protestos, segundo os líderes do protesto.
O acordo de partilha de poder, acordado em 17 de julho, previa o estabelecimento de um novo corpo governante de seis civis e cinco generais.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.