Sudão: PM lança investigação sobre repressão militar
kg | AP | DW (Deutsche Welle)
22 de setembro de 2019
O primeiro-ministro sudanês, Abdalla Hamdok, lançou um comité de sete membros que vai investigar as mortes de manifestantes nos protestos em Cartum. Generais responsabilizam forças paramilitares pela repressão violenta.
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O recém-nomeado primeiro-ministro do Sudão, Abdalla Hamdok, lançou uma investigação independente sobre a repressão que deixou dezenas de manifestantes mortos durante os protestos de junho contra o Conselho Militar de Transição, que governava o país.
Como parte de um acordo subsequente de partilha de poder com os militares, os líderes dos protestos civis exigiram o estabelecimento de um inquérito internacional sobre as mortes, mas os generais insistiram numa investigação liderada pelo Sudão.
Segundo os líderes civis, pelo menos 128 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas com a dispersão violenta conduzida pelos militares nos arredores do quartel militar na capital Cartum, a 3 de junho. As autoridades militares, por sua vez, contabilizaram 87 mortos. Naquela altura, a repressão violenta chegou a interromper as negociações para a formação de um Governo de partilha entre civis e militares.
O primeiro-ministro, que é um civil, informou que o comité de investigação será composto por sete membros, entre eles, um juiz e dois advogados, além dos ministros do Interior e da Defesa. Os trabalhos serão realizados num período de seis meses. Abdalla Hamdok informou que o comité pode procurar apoio da União Africana (UA), se necessário.
Acusações
Uma investigação conduzida por promotores sudaneses em julho concluiu que os generais não ordenaram a matança. Os militares culparam os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR) de terem excedido as suas ordens.
Segundo o promotor Fathel-Rahman Said, oito oficiais das FAR, incluindo um general-maior, foram acusados de crimes contra a humanidade. O promotor, entretanto, não detalhou como a investigação iria prosseguir.
Os líderes de transição no Sudão tomaram posse a 21 de agosto. O general sudanês Abdel Fattah al-Burhane foi nomeado chefe do Conselho Soberano, responsável pela transição para o poder civil. O general já chefiava o Conselho Militar de Transição, que ficou no poder após a destituição do antigo Presidente Omar al-Bashir, em abril.
O Conselho Soberano é encarregue de governar o país nos próximos três anos de transição até à realização de eleições em 2022. O Conselho é composto por 11 membros, seis civis e cinco militares. Burhane chefiará o Conselho Soberano durante 21 meses e será depois substituído por um civil.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.