Faleceu o empresário sul-africano preso em Moçambique
Lusa | ar
23 de janeiro de 2019
Empresário sul-africano Andre Hanekon, detido pelas autoridades de Moçambique, morreu no hospital de Pemba.
Publicidade
Segundo a mulher do empresário sul-africano Andre Hanekon, detido pelas autoridades de Moçambique como um dos suspeitos de incitar ataques armados no norte do país, morreu esta quarta-feira (23.01.) no hospital de Pemba (Cabo Delgado).
Em declarações à agência de notícias Lusa, Francis Hanekon disse que já teve acesso ao corpo, depois de avisada da morte, durante a madrugada, pela unidade de saúde da capital provincial de Cabo Delgado.
A mulher do empresário não soube detalhar as causas da morte, que aconteceu depois de Andre Hanekon ter sido retirado da cadeia para o hospital, no sábado (19.01.), inconsciente e com convulsões."Ele caiu doente na cadeia, no sábado. Tinha convulsões" e foi transportado para o hospital "inconsciente", sendo sujeito a manobras de reanimação naquela unidade, explicou. "Tinha dificuldade em respirar", recordou.
Andre Hanekon aparentava melhorias na terça-feira (22.01.), acrescentou, referindo que o homem estava consciente, apesar de ainda não conseguir falar.
Direção do hospital confirma a morte
Fonte da direção do hospital confirmou esta quarta-feira, aos jornalistas, a morte, mas escusou-se a prestar mais esclarecimentos, alegando que Hanekon deu entrada como detido, cabendo às autoridades gerir a informação.
A detenção foi um dos assuntos debatidos pelo Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, num encontro mantido no dia 14 de janeiro, em Maputo, com o chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi.No encontro, a acusação contra Hannekon esteve na agenda a par da detenção, na África do Sul, de Manuel Chang, antigo ministro das Finanças de Moçambique, a mando da justiça norte-americana que investiga o caso das dívidas ocultas do Estado moçambicano.
"Em ambas as situações os dois chefes de Estado observaram a necessidade de aguardar pelo curso normal da justiça e deixar as instituições competentes realizarem o seu trabalho no âmbito da separação de poderes", referiu o comunicado final do encontro.
"Financiador e coordenador dos ataques"
Na acusação do Ministério Público moçambicano, que data de 24 de dezembro, o empresário sul-africano foi apontado como "financiador, logístico e coordenador dos ataques" a locais remotos do norte do país, cujo objetivo era "criar instabilidade e impedir a exploração de gás natural na província" de Cabo Delgado
Hannekon, prossegue a acusação, pagaria aos membros do grupo um valor mensal de 10 mil meticais (142 euros), além de providenciar medicamentos, que eram supostamente administrados por um antigo funcionário do Hospital Rural de Mocímboa da Praia.
Na altura, Francis Hannekon considerou as acusações "totalmente falsas" e referiu que o marido estava preso ilegalmente.
"Abusos e excessos", diz HRWA organização Human Rights Watch descreveu na última semana o caso como um exemplo de "abusos e excessos" na forma como as forças de segurança estão a deter arbitrariamente cidadãos em Cabo Delgado.
"Quaisquer que sejam os crimes, os acusados têm direitos, têm de ser presentes a um juiz e ser formalmente acusados em determinados prazos e isso não aconteceu", apontou Zenaida Machado, membro da HRW.
Os ataques armados no norte de Moçambique reacenderam-se em novembro. Desde outubro de 2017, já terão morrido pelo menos 140 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança.
A onda de violência em Cabo Delgado (2.000 quilómetros a norte de Maputo, no extremo norte de Moçambique, junto à Tanzânia) eclodiu após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes desde há dois anos.
Depois de Mocímboa da Praia, têm ocorrido vários ataques que se suspeita estarem relacionados com o mesmo tipo de grupo, sempre longe do asfalto e fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas que vão explorar gás natural.
África do Sul quer investigação sobre morte de sul-africano O Governo sul-africano mandou investigar a morte do empresário sul-africano Andre Hanekom afirma numa nota enviada à agência de notícias Lusa o porta-voz do Ministério das Relações Internacionais e Cooperação
"A ministra Lindiwe Sisulu instruiu o Alto-Comissário a trabalhar urgentemente com as autoridades [moçambicanas] sobre as circunstâncias da sua morte e a relatar o acontecido", disse Ndivhuwo Mabaya.
"O Alto-Comissário sul-africano em Moçambique, o embaixador Mandisi Mpahlwa, informou a ministra das Relações Internacionais e Cooperação, Lindiwe Sisulu, que a mulher de Andre Hanekom confirmou que ele tinha falecido esta manhã, 23 de janeiro, num hospital prisional", lê-se na nota.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.