"Surpresa": CIP revela nova estratégia na defesa de Chang
António Cascais
12 de junho de 2023
Centro de Integridade Pública de Moçambique diz que advogados de Manuel Chang têm nova estratégia para travar julgamento nos EUA. Ex-ministro é acusado de ser "figura-chave" no escândalo das "dívidas ocultas".
O Centro de Integridade Pública (CIP) diz que os advogados do ex-ministro das Finanças moçambicano apresentaram, num tribunal norte-americano, uma petição que pede a retirada da acusação contra Chang, alegando que "o atraso no seu julgamento viola o seu direito a um julgamento célere".
Detido desde dezembro de 2018 na África do Sul, o ex-governante moçambicano é tido como "figura-chave" no escândalo das chamadas "dívidas ocultas". Em entrevista à DW África, Borges Nhamirre, investigador do CIP, insiste que "o melhor lugar onde Chang deve ser julgado é nos Estados Unidos".
DW África: O ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, vai ou não ser extraditado para os EUA?
Borges Nhamirre (BN): O mais provável é que [Manuel Chang] seja extraditado. Mas só será possível afirmar com 100% de certeza quando o ministro da Justiça sul-africano [Ronald Lamola] assinar a ordem executiva de extradição e ela for executada.
Depois de o Tribunal Constitucional da África do Sul ter indeferido o recurso de Moçambique, todos dizíamos que Chang seria extraditado. Mas aconteceu agora esta "surpresa": Chang encontrou outro argumento para negar a sua extradição.
DW África: Quais são os argumentos da defesa de Manuel Chang neste momento?
BN: O primeiro argumento é que Manuel Chang já está na cadeia há muito tempo - há mais de quatro anos - e, nos termos da sexta emenda constitucional norte-americana, um réu tem direito a um julgamento célere. Se isso não acontecer, [o réu] tem direito a que o processo seja arquivado. Citando casos precedentes, de acordo com a lei norte-americana, a partir do momento em que o réu está detido à espera de julgamento por mais de um ano, o seu direito a um julgamento célere está a ser violado.
[Mas] todos sabemos porque Chang não foi extraditado em 2019. Primeiro, porque houve recursos do ministro da Justiça da África do Sul e do FMO [Fórum de Monitoria do Orçamento, uma plataforma de organizações da sociedade civil]. Mas a defesa está a dizer que isto não é culpa de Chang.
O segundo argumento é que o Departamento de Justiça norte-americano terá perdido o interesse no julgamento de Manuel Chang, porque Jean Boustani foi absolvido nos EUA no mesmo caso. Eu penso que este argumento é mais frágil, porque, num processo criminal, cada caso é um caso. Não se faz este tipo de comparação.
DW África: Acha que há argumentos válidos para dizer que os alegados crimes já prescreveram?
BN: Eu diria que os crimes não prescreveram. Primeiro, porque os crimes de corrupção normalmente não prescrevem, no sistema internacional. Em segundo lugar, a pena de prisão em que Chang incorre, que é de, no mínimo, 20 anos, não pode prescrever em pouco tempo. Em terceiro lugar, porque uma prescrição não se justifica se o processo estava em andamento. Neste caso, só não foi julgado porque se esperava a sua extradição. E um processo em andamento não pode prescrever. Penso, portanto, que este argumento não vai valer.
DW África: Na sua perspetiva, e na perspetiva do CIP, que solução serviria o interesse dos cidadãos moçambicanos?
BN: Manuel Chang tem direito a ser ouvido seja por que tribunal for. Se ele for extraditado para os EUA, esperamos que tenha lá um julgamento justo. E, se nos EUA, for julgado e absolvido, e voltar a Moçambique, o processo moçambicano não morre.
Neste momento, para melhor esclarecer este caso, continuo a pensar que o melhor lugar onde Chang deva ser julgado é nos EUA. Até porque foram os EUA que mandaram prender Manuel Chang. No meu entendimento, é bom que ele vá para lá e tenha um julgamento justo. Se for declarado "não culpado" e voltar para Moçambique, está aqui um processo à sua espera.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)