"Sustenta": Fim de um projeto insustentável e fraudulento?
10 de junho de 2025
Tal qual Pilatos, o novo Governo da FRELIMO "lavou as mãos" para o caso Sustenta, se considerarmos as palavras recentes do ministro da Agricultura. Roberto Albino disse à imprensa nacional que não conhecia o mediático projeto, que visava essencialmente garantir a soberania alimentar de Moçambique.
Os pronunciamentos deram margem a interpretações várias.
"Há um desconforto do atual ministro [da Agricultura] em relação ao Sustenta, que não sei de onde vem. Provavelmente do relacionamento ou visões diferentes que ele e o antigo ministro tiveram em relação à àrea da agricultura. Fez parte de um projeto adstrito ao Ministério da Agricultura e não é possível ele estar no Gabinete de Desenvolvimento do Zambeze e não conhecer o Sustenta", diz Lázaro Mabunda, pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP).
Em entrevista à DW, o pesquisar acrescenta ainda: "O que Roberto Albino está a dizer é que ele não se revê no projeto Sustenta. E talvez porque o Sustenta foi um projeto mais propagandístico e político do que um projeto virado para a agricultura".
Reforça essa teoria o facto de Albino ter denunciado "dispersão de recursos e desalinhamento estratégico" no setor agrícola. Um pronunciamento visto como uma crítica ao projeto do Governo do então Presidente da República, Filipe Nyusi.
Denúncias de condutas criminosas
Pouco antes, em entrevista à Televisão de Moçambique (TVM), o novo ministro do pelouro revelou o fim do modelo Sustenta, porém sem deixar evidente se esse era igualmente o fim do projeto.
Porém, não surprendeu a "crónica de uma morte anunciada", não tivessem quase todos os projetos agrícolas dos últimos 50 anos sucumbido. O brilhoso Sustenta foi o que mais despertou suspeitas. Terá sido uma fraude? O Observatório do Meio Rural, que muito investigou o projeto no aspeto técnico e operacional, relata as falhas.
"Sem resultados muito evidentes a nível da produtividade e da produção, comparativamente aos recursos colocados no terreno e a abragência muito mais limitada a nível dos pequenos produtores", relata João Mosca.
O pesquisador da ONG ressalta ainda que "houve realmente um aumento da produção das culturas de exportação e o milho", mas ressalta que "nas restantes culturas alimentares, a produção não aumentou". "Pelo contrário, em alguns casos diminuiu", diz.
Ainda do prisma operativo, há denúncias de condutas criminosas no Sustenta, criado em 2016, segundo uma investigação do Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD).
"Já percorremos todas as províncias para conversar com os camponeses que eram os beneficiados e têm denúncias diretas contra o ministro Celso Correia e sua equipa. Muitos dizem que recebiam implementos pela manhã e, à tarde, iam levar e dar para os outros. Depois buscavam no dia seguinte. É um esquema que foi montado para fraudar os agricultores, o povo e o Estado. Então, isso não pode ficar impune", argumenta Adriano Nuvunga, diretor da ONG.
Celso Correia seria "o beneficiário"
O "calcanhar de Aquiles" do projeto do "superministro" Celso Correia é a falta de transparência. É óbvio para a sociedade que o projeto serviria apenas para sustentar as necessidades do partido que governa, a FRELIMO, e dos seus gestores. Só que as provas do suposto crime estão em mãos de quem se curva ao poder, denuncia Nuvunga.
"O Tribunal Administrativo fez um trabalho exaustivo e apresentou os números que, no seu entender, eram sobre o descalabro corrupto do Sustenta, com uma omissão, e não lacuna, que nos parece propositada. Imputava responsabilidades aos gestores médios pela grande corrupção e as fraudes contra os agricultores e protegia o ministro Celso Correia. No nosso entender, um programa desses só foi possível ter este desfecho corrupto porque foi protegido pelo ministro. Aliás, a indicação é de que o beneficiário era o próprio ministro."
Ainda como ministro, Celso Correia sacudiu as críticas, garantindo o respeito pelas normas e princípios de transparência.
O encerramento repentino do projeto terá certamente efeitos nefastos em cadeia, prejudicando no final o andamento de qualquer programa setorial de desenvolvimento. E como se diz na gíria popular, "o capim pequeno é que paga".
Como ficariam os extensionistas, o profissional que faz o acompanhamento diário dos agricultores, ou os créditos bonificados para a aquisição de tratores? É que o novo Governo já deixou claro que a aquisição de meios de produção é responsabilidade dos utilizadores.
"O Sustenta procurou incorporar muitos extensionistas. É verdade que, depois, não houve um seguimento correto desses extensionistas em termos de formação, capacitação e enquadramento nas instituições de tarefas e de coordenação com outros extensionistas de outros projetos, incusivamente de extensionistas pagos pelo aparelho de Estado", frisa João Mosca.
E "enquanto o projeto durou, os extensionistas eram pagos pelo Sustenta e não pelo aparelho de Estado", lembra o investigador. "Agora, os recursos terminaram e corre-se o risco - e penso que está em curso-, de demissão de centenas, se não milhares de extensionistas que estavam em processo de aprendizagem", acrescenta.
Sustenta, "uma espécie de Dívidas Ocultas II"
Diante de um projeto supostamente insustentável e pouco transparente, com a devida matéria de prova, uma responsabilização dos responsáveis seria necessária? O diretor do CDD defende que é preciso mais do que isso.
"Sim. Aliás, é preciso e urgente, notadamente dos gestores técnicos e políticos - estamos a falar do ministro Celso Correia - serem responsabilizados pela derrocada criminosa do Sustenta, que foi desenhada para alavancar aagricultura e apoiar camponeses, mas acabou sendo uma espécie de 'Dívidas Ocultas II'. A indicação que temos é de pouco mais de um bilião de dólares que o Banco Mundial deu ao Ministério da Agricultura. Há matéria abundante para, de imediato, a Procuradoria-Geral da República (PGR) agir contra o ministro Celso Correia."
E se junta ao coro a oposição. Alberto Ferreira, membro do PODEMOS e académico, defende o uso de todos os meios para que Celso Correia seja levado a trribunal.
"Isso não pode ficar impune, é exatamente a impunidade que encoraja os dirigentes a abusar do poder que detêm", argumenta.
O antigo "superministro" era também o braço direito do ex-Presidente Filipe Nyusi. Aliás, a boca pequena alegava-se que quem governava o país, de facto, era Celso Correia, nos bastidores. Nyusi, como mais alto magistrado da Nação, teria também responsabilidades neste escândalo?
"Ele era a cabeça, era o presidente do Governo. O Presidente Nyusi devia levantar-se e responder ao povo moçambicano quais foram os caminhos do Sustenta", defende Ferreira.