Teatro germano-angolano: "Miguel K. quer justiça" estreia-se em Luanda
8 de julho de 2014 A peça de teatro que sobe ao palco do Teatro Elinga, em Luanda, a 10 de julho, "Miguel K. quer justiça", não retrata uma situação nova ou exclusivamente angolana ou africana. Apenas uma coisa a separa do conto "Michael Kohlhass", do alemão Heinrich von Kleist: o tempo. Enquanto "Michael Kohlhass" foi escrito em 1810, e retratava a injustiça e violações dessa época na Alemanha, "Miquel K. quer justiça" fala das injustiças de hoje em Angola.
Orlando Azevedo, produtor do projeto de teatro germano-angolano, explica que a novela alemã se encaixa na realidade angolana, afirmando que "a temática acaba por ser universal". "Foi escrita numa época em que a justiça na Alemanha estava numa fase de transição, e Angola tem esse problema com a justiça. Está a fazer uma transição para o Estado de direito e enfrenta problemas de justiça que são antigos", considera o produtor.
A ideia da peça surgiu há alguns anos, em Moçambique, durante um projeto com uma universidade, revela Jens Neumann, encenador alemão. O tema em discussão era a identidade e foi apenas um ponto de partida para esgravatar os problemas comuns a Angola e Zimbabué, mas importantes de serem discutidos: corrupção e injustiça. "Sobre o tema Estado de direito, justiça, como o cidadão pode viver num país em que há grandes diferenças entre ricos e pobres, como essas diferenças se manifestam, por exemplo, enquanto umas pessoas não tem dinheiro pagar um advogado, outras não são condenadas", descreve o encenador.
Agualusa assina a adaptação
A responsabilidade de adequar a obra alemã ao contexto angolano ficou a cargo do escritor angolano José Agualusa, que se inspirou num caso da região Sul do país. "Tratou de um tema já antigo que é o facto de aqueles povos pastores, no sul do país, não se regerem pelo direito normal, estando sujeitos ao abuso dos colonos brancos, que vinham ocupar terras, impedindo a sua circulação", conta Orlando Azevedo.
Nesta adaptação, Miguel K é pastor no Sul de Angola. Vive em paz com as suas mulheres, os seus filhos e os seus bois. Um dia, ao cruzar a fazenda de um general, em busca de água e de pastagens verdes, vê-se forçado a entregar um dos bois ao proprietário. Miguel K não perdoa a injustiça. Recorre primeiro aos tribunais, sem sucesso, uma vez que todo o sistema está corrompido e, tomado pelo desespero, lança-se numa guerra inglória. “Miguel K quer justiça” parte do conto do escritor alemão Heinrich Von Kleist, inspirado num episódio real ocorrido no século XVI, para tentar mostrar a luta de um homem comum – dividido entre um exacerbado sentimento de justiça e a cegueira do rancor – contra um sistema cruel e desumano.
Comédia e inovação
"Miguel K. quer justiça" é um drama. Segundo Neumann, os angolanos gostam de comédias, e, por isso, esta componente foi integrada na peça. "Foi difícil fazer uma drama com elementos de comédia, mas deu resultados positivos", diz.
Se o tema em si não representa uma novidade para os angolanos, já do formato da apresentação da peça não se pode dizer o mesmo. O projecto germano-angolano é multimédia, com música ao vivo e vídeos filmados nas proximidades de Luanda. Quatro atores angolanos estarão em palco: Virgílio António, Cláudia Pucuta, Raúl Rosário e Orlando Sérgio. Jens Neumann já trabalhou com atores do Teatro Avenida em Moçambique nas peças "A visita da velha senhora" e "Rui, o Rei da Rua". Já com Angola esta é a sua estreia, mas Neumann já se mostra satisfeito por trabalhar com esta equipa, afirmando que "os atores não são apenas talentosos, como também muito profissionais e motivados, são maravilhosos e dá gosto trabalhar com eles".
"Miguel K. quer justiça" estará em palcos moçambicanos em outubro próximo e também passará pelo Zimbabué. Alemanha é um poiso desejado, mas a falta de financiamento não permite grandes voos, revelou o encenador.