Em tempos de pandemia, o teatro deixa de ser prisioneiro do clássico palco para a conquista da versatilidade nas suas diversas dimensões. O alternativo é a palavra de ordem, defende a atriz moçambicana Angelina Chavango.
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A propósito do dia mundial do teatro, que se comemora a 27 de março, a DW África conversou com Angelina Chavango, uma jovem atriz moçambicana que desponta em Maputo, sobre a democratização do teatro.
Angelina Chavana, que é também docente de teatro, considera que também esta forma de arte está a experimentar uma democratização e defende o uso de espaços alternativos.
A atriz é a prova de que o recente curso superior de teatro no país está a dar frutos, viçosos e que alimentam a arte cénica.
DW África: Já se pode falar em democratização do teatro, em termos de oportunidades para os atores e em termos de espaço?
Angelina Chavango (AC): Eu penso que sim, pode. Não sei, por exemplo, nas outras províncias. Mas, cá em Maputo, tenho visto que há uma boa interação entre os atores. Os atores estão a organizar-se, apesar das dificuldades de espaço e tudo mais. Os atores estão a criar formas de viver com o teatro. E também agora, temos as apresentações online. Por causa da pandemia, não podemos estar no palco. Mas podemos gravar e publicar para que as pessoas tenham acesso. Só vendo esses todos acontecimentos, afirmo que há sim uma democratização, mas só para aqueles que tentam arranjar estratégias de sobrevivência.
DW África: Então, há uma espécie de libertação de um palco clássico, de uma sala de teatro, para outros espaços?
AC: É verdade. Nós já temos, por exemplo,a Fundação Fernando Leite Couto e a 16Neto que não têm um espaço convencional. São salas mesmo ou jardins que são transformados em lugar para fazer teatro. Apesar das dificuldades que temos para apresentarmos as nossas peças em teatros como tal, já podemos fazer as nossas apresentações até mesmo nos nossos quintais. Por exemplo, agora com as salas fechadas, temos transformado as nossas casas em lugar de ensaio e até mesmo de apresentações, mas para um público em número restrito. Então, estamos sim perante uma dificuldade. No meio dessa dificuldade, tentamos aliar o útil ao agradável.
DW África: O conceito de alternativo começa a vingar no teatro?
AC: Sim, começa a vingar. Principalmente quando se fala em teatro na educação ou teatro para o desenvolvimento - que são formas de fazer teatro onde não é necessário um palco, mas sim uma sala de aulas, com um tema que diz respeito ao professor, aos alunos ou à comunidade estudantil – é possível trazer essa forma de fazer teatro. E também nas comunidades, os atores fazem teatro comunitário. Então, é possível usar espaços alternativos, já se nota este movimento de espaços alternativos. Porque os atores não estão presos às salas de teatro. Se ficarmos presos a elas, o teatro vai morrer.
DW África: Que ganhos o teatro moçambicano colhe do curso superior de teatro da Universidade Eduardo Mondlane?
AC: Muita coisa. Eu, por exemplo, sou produto do curso de teatro. Já vinha fazendo um teatro amador. Mas estando na escola de teatro, pude adquirir mais ferramentas que até hoje me são úteis. Até hoje consigo construir uma personagem com deve ser, com tantas características físicas e psicológicas. Isso tudo, aprendi na escola de teatro. E depois, sou professora de teatro - consigo também transmitir essa experiência aos outros candidatos, alunos, futuros atores. Então, essa possibilidade de estar dentro da escola de teatro, abriu outras formas de ver o teatro. Eu estava no teatro e não sabia que existe encenação, dramaturgia e tantos outros conceitos teatrais, como também outros elementos. Eu não sabia. Tudo isso eu aprendi na escola e sou da primeira turma. Na altura, os meus pais nem percebiam o que era isso de estudar teatro. Enfrentei uma grande guerra até eles perceberem que é possível estudar teatro e é preciso, e é possível que haja transformação nas pessoas.
Maputo: Míticas salas de cinema deixadas ao abandono
Antigas salas de cinema de Maputo têm histórias que só mesmo a geração da época pode contar. Muitas salas foram construídas no tempo colonial, mas após a independência nunca foram reabilitadas e hoje estão abandonadas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Império, "rosto da degradação das salas de cinema"
O cinema Império, localizado no bairro do aeroporto, já movimentou muitos jovens dos bairros suburbanos. Júlio Sitoe, de 48 anos, lembra os filmes chineses lendários dos "mestres do Kung Fu", como Shaolin e Bruce Lee. Hoje, é o símbolo da degradação das salas de cinema em Maputo.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema África, "a catedral das Artes"
Esta sala já esteve sob a égide da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Durante um período, foi concedida à Companhia Nacional de Canto e Dança, que ali exibia as suas criações artísticas. Por fora, tudo parece muito bonito. Mas por dentro - embora não nos tenha sido permitido fotografar -, vemos paredes partidas e escuras, lixo e águas negras. A sala foi fechada para reabilitação.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Charlot, "o fogo consumiu quase tudo"
Localizada no bairro do Alto-Maé, designada no tempo colonial como cinema "Infante", esta sala ficou conhecida por ter rodado filmes populares produzidos nos anos 70. Os jovens a frequentavam para ver filmes como "Oh! Amigos Meus" ou "Sholay", entre outros, rodados em Maputo nos anos 80. Em 2013, a sala foi alvo de um incêndio.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema dos Continuadores, "centro cultural da UEM"
No centro de Maputo, bem próximo ao Instituto Nacional do Cinema, está a sala que foi cedida à Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a maior instituição de ensino superior em Moçambique, para servir de centro cultural universitário. No local, a UEM organiza eventos culturais e académicos.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Estúdio 222, "de cinema a discoteca e bar"
Esta sala costumava movimentar os jovens que residiam na baixa da capital. Nos anos 80, viam filmes como o musical "O Ritmo da Felicidade". Aqui também foi exibida a produção moçambicana "O tempo dos Leopardos", que retrata a luta pela Independência de Moçambique. Hoje, o "222" já não exibe filmes - foi transformado numa discoteca e bar.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Matchedje, "Gungu e o teatro"
Bem ao lado do cinema "222" está o Matchedje. Também nos anos 80 esta sala foi muito frequentada e exibiu filmes de Franco Nero e Bud Spencer - os chamados "homens de feijão", como era designada esta dupla. Manuel Rodrigues, aos 50 anos, lembra que em quase todas as salas "era sempre uma guerra" para se conseguir bilhete. Agora, a sala exibe peças teatrais - para alegria dos amantes do teatro.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Gil Vicente, "Teatro Girassol"
Esta sala localizada na baixa de Maputo é uma das mais antigas da capital. Esteve sob gestão da empresa portuguesa Lusomundo, que chegou a exibir filmes numa altura em que a cultura do cinema em Maputo começava a hibernar. Mas a Lusomundo, que trazia filmes recentes, abandonou o negócio. O município está agora a tentar dar esta sala à gestão do projeto Grupo de Teatro Girassol.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Olímpia, "albergue para pessoas sem casa"
No bairro de Xipamanine, bem ao lado do mercado de mesmo nome, está a sala que hoje serve de albergue para muitas pessoas sem moradia. É, além do cinema Império, outro rosto da degradação das salas de cinema em Maputo. Também aqui foram exibidos muitos filmes chineses...
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema São Miguel, "a casa do povo"
Esta instalação, onde hoje funciona o Parlamento moçambicano, foi outrora o chamado cinema São Miguel. Atualmente, é a casa do povo, onde importantes decisões políticas moçambicanas são debatidas. Marcos Afussen, de 77 anos, residente no bairro do Alto Maé, conta que naquela sala rodou-se o filme da saga de James Bond, no início dos anos 70, o que movimentou a juventude da época.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Scala, "primeiro cinema sonoro em Moçambique"
Segundo a história, esta sala, também localizada na baixa de Maputo, foi construída em 1931 e foi o primeiro cinema sonoro de Moçambique. Aos domingos, nos anos 80, na sessão designada matiné, rodava-se filmes para adolescentes, como "O Menino do Circo". O senhor Marcos Afussene costumava levar os seus cinco filhos, hoje com mais de 40 anos. Atualmente, o Scala já não roda filmes.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cinema Xenon, "porta de entrada de todos os filmes"
Até aos anos 90, aqui estava uma das salas mais luxuosas de Maputo. A empresa portuguesa Lusomundo, que também geriu o cinema Gil Vicente, adquiriu o Xenon, mas depois abandonou o negócio. O cinema foi então demolido, em 2014, para dar lugar a um prédio residencial. Acabou, assim, o ciclo das salas de cinema em Moçambique, que deixa muitas lembranças, principalmente para a geração dos anos 70.