Teixeira Cândido: "Continuamos a enfrentar constrangimentos"
Adolfo Guerra (Menongue)
28 de setembro de 2024
Após dez anos à frente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido está de saída. Em entrevista à DW, considera que o artigo 333 do Código Penal é um retrocesso para a liberdade de imprensa.
Publicidade
O jornalista e jurista Teixeira Cândido terminou este sábado (28.09) o seu mandato à frente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, cargo que exerceu por dois mandatos de cinco anos. Em entrevista à DW, Teixeira Cândido admite que deixa o cargo com um sentimento de divisão.
"O que podemos garantir é que demos tudo o que tínhamos no que à capacidade, inteligência e esforço diz respeito. Se me perguntar se saio satisfeito, não. Não, porque continuamos a ter muitos desafios na classe, continuamos a enfrentar constrangimentos no exercício profissional, continuamos a ter uma regulação que não promove nem garante a liberdade de imprensa", disse. "Tivemos um período de legislação que retrocedeu todas as garantias que nós tínhamos", acrescentou.
Teixeira Cândido apontou como um dos problemas que impede o exercício profissional em Angolaa lei sobre injúrias que a classe enfrenta, o que culminou recentemente com várias detenções de jornalistas.
"Em 1992, o jornalista para ser julgado tinha de ser reincidente e só nestas condições poderia cumprir sentença. De 92 para cá, todo o ato legislativo foi exatamente para cercear [a sua] liberdade e hoje temos não só um código que permite, por exemplo, que o jornalista seja responsabilizado quando o que recomenda a União Africana é a descriminalização", salienta.
"Ao mesmo tempo temos o artigo 333 [artigo do Código Penal sobre a lei do ultraje] sobre o qual o jornalista também pode responder se estiver em vista uma crítica ao executivo ou ao Presidente da República, o que para nós é um retrocesso", sublinha.
O líder sindical disse também que sai com alguma frustração por não ter conseguido construir a sede nacional do sindicato com 33 anos de existência. A situação da remuneração aos jornalistas ligados ao setor privado também foi um dos grandes desafios deste período de 10 anos.
O jornalista aponta como grande ganho a publicação no Diário da República da legalização do sindicato, 26 anos depois da sua criação.
Teixeira Cândido aponta ainda a não publicação no Diário da República do estatuto do jornalista, o que impediu neste período alguns financiamentos.
"Este é um dos desafios que persegue o sindicato desde que foi fundado. As incompreensões, as conotações com os partidos políticos, tudo isso resulta deste nosso Estado que ainda não é efetivamente democrático", comenta.
No entanto, durante o atual mandato verificaram-se vários assaltos às instalações do sindicato.
Em dezembro de 2022, os jornalistas protestaram pela primeira vez na história para exigir liberdade de imprensa e melhores condições de trabalho.
Teixeira Cândido foi eleito pela primeira vez secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas em 2015 e reeleito em 2021. Fundada em março de 1992, a organização já foi dirigida pelos jornalistas Ismael Mateus e Luísa Rogério.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.