Há um ano desapereceu no Burundi o jornalista independente Jean Bigirimana. Críticos lançam o alerta: há cada vez menos liberdade de imprensa no Burundi.
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No dia 22 de julho de 2016, o jornalista Jean Bigirimana, de 37 anos, saiu da redação do jornal independente Iwacu na capital, Bujumbura. Ía em trabalho à vila de Bugarama, a cerca de 40 quilómetros de distância. Segundo informações que não puderam ser verificadas, a meio do caminho foi detido por agentes dos serviços secretos. O que é certo é que passou um ano, mas Bigirimana nunca mais voltou.
Agnès Ndirubusa, redatora no mesmo jornal, descreve o estado de espírito dos colegas: "Passado um ano, ainda nos parece incompreensível que um amigo desapareça sem deixar rasto", disse a jornalista à DW. "Reina a resignação. Arrepiamo-nos só de imaginar no que pode ter acontecido", disse Ndirubusa.
Campanha para Bigirimana
Pouco após o desaparecimento do colega, os responsáveis do jornal Iwacu lançaram uma campanha pela sua libertação, que chamou a atenção também da comunidade internacional. Houve um esforço para obrigar o Governo do Presidente Pierre Nkurunziza a posicionar-se. Bigirimana era um dos críticos mais pertinazes do Chefe de Estado, que violou a Constituição ao concorrer a um terceiro mandato presidencial nas eleições de 2015.
Muitos observadores consideram que o jornalista pagou pelo seu trabalho crítico. Mas desde o início o Governo rejeitou qualquer responsabilidade. A polícia nega que Bigirimana tenha sido preso pelos serviços secretos. E a justiça garante que o caso vai ser investigado.
Cadáveres no rio
Duas semanas após o desaparecimento foram encontrados vários cadáveres nos rios das imediações da capital. Uma equipa de jornalistas do jornal Iwacu, que acorreu ao local, acredita ter identificado o corpo do de Bigirimana. A polícia desmentiu tratar-se dos restos mortais do jornalista.
Ativistas dos direitos humanos não escondem o seu ceticismo. Os cadáveres não foram devidamente analisados. Não houve autópsias nem testes de ADN. Em vez disso, os corpos foram rapidamente enterrados. Jean Bigirimana não é o único jornalista e ativista dos direitos humanos que desapareceu no Burundi nos últimos dois anos. Em dezembro de 2015, Marie-Claudette Kwizera, da organização local de defesa dos direitos humanos Iteka, foi arrastada para dentro de uma viatura da polícia secreta e também desapareceu sem deixar rasto.
Tempos terríveis
Também no caso da ativista o Governo rejeitou qualquer responsabilidade, diz o jornalista e advogado Eddy Claude Nininahazwe. "Estes são tempos negros para os jornalistas independentes e ativistas dos direitos humanos no Burundi", disse à DW, acrescentando estar furioso também contra a justiça, por espalhar falsidades nas investigações e ocultar os fatos.
O fotógrafo e ativista dos direitos humanos burundês Teddy Mazina concorda que a liberdade de imprensa no país está a morrer. Em conversa com a DW, afirma que o caso de Jean Bigirimana é simbólico para um país que viola impunemente os direitos dos jornalistas e ativistas. Mazina acredita que o jornalista tenha sido assassinado. Passado um ano, afirma, ainda não houve uma investigação que merecesse o nome: "A mulher e os dois filhos de Bigirimana tiveram que fugir para o Ruanda, depois de terem sido ameaçados", conta.
Família aterrorizada
Em entrevista exclusiva à DW, a mulher de Bigirimana, Godeberte Haki Zimana, diz que mesmo no Ruanda continua a ser alvo de ameaças e terror. "Várias vezes atiraram sangue para a porta da nossa casa. Recebemos cartas anónimas. Escrevem que estamos a conspurcar a honra do meu país e que eu estou a cavar a minha própria sepultura".
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O executivo do Burundi continua a negar qualquer envolvimento. O ministro dos Direitos Humanos, Martin Mivyanbandi, disse à DW: "O Governo burundês lamenta profundamente o desaparecimento do jornalista Bigirimana. Foram ativadas todas as instâncias competentes para encontrar os restos mortais do jornalista, caso esteja realmente morto, e obter informações".
O ministro acrescenta que muitos jornalistas saíram do país desde o início da crise política em 2015. Há que ter em consideração a situação política lembra, salientando que muitos conflitos se caracterizaram por uma total ausência de tolerância: "E os jornalistas tiveram um papel pouco abonatório. Muitos meios de comunicação social mostraram não estar à altura. Atiçaram o conflito espalhando falsidades", diz. Segundo Mivyanbandi, o Governo está a tentar convencer os jornalistas que saíram do país a regressar, para contribuírem para a reconciliação nacional. É improvável que haja muitos jornalistas que aceitem o convite.
Contribuição de Antèditeste Niragira.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.