Após avanços do M23 em território congolês, o Presidente Felix Tshisekedi decidiu expulsar o embaixador ruandês em Kinshasa. Preocupado, secretário-geral da ONU contactou Presidente angolano, que tem mediado o conflito.
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A tensão na RDCongo aumentou este fim de semana devido ao avanço realizado pelo grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23)- antiga rebelião tutsi que pegou em armas no final de 2021 - no leste congolês.
Em declarações à imprensa, este sábado (29.10), o porta-voz do governo congolês, Patrick Muyaya, reconheceu que o avanço do M23 nas cidades de Kiwanja e, sobretudo, Rutshuru, representa uma "ameaça à segurança nacional", considerando que a "chegada maciça nos últimos dias de elementos do exército ruandês para apoiar os terroristas do M23" tem em vista uma "ofensiva geral contra as posições das forças armadas congolesas".
Por isso, Kinshasa anunciou no sábado a expulsão imediata do embaixador ruandês, Vincent Karega.
Ruanda lamenta decisão
Em reação ao sucedido, este domingo (30.10), o Ruanda diz ter recebido "com pesar" a decisão da República Democrática do Congo de expulsar o seu embaixador e anunciou ter colocado em alerta as forças de segurança ruandesas na fronteira.
"É lamentável que o governo da RDCongo continue a culpar o Ruanda pelas suas próprias falhas de governo e segurança", escrevem as autoridades ruandesas, em comunicado.
Mediação: Guterres expressa apoio a Angola
Face aos desenvolvimentos, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, contactou o Presidente angolano, João Lourenço, que tem mediado as conversas entre os dois países.
"O Presidente João Lourenço pontualizou ao secretário-geral da ONU sobre as suas últimas diligências e António Guterres, na sequência, manifestou todo o seu apoio aos esforços de mediação do estadista angolano na RDCongo", divulgou a presidência angolana na sua página no Facebook.
António Guterres manifestou também urgência em falar com os presidentes Félix Tshisekedi, da RDCongo, e Paul Kagame, do Ruanda.
Em julho, Félix Tshisekedi e Paul Kagame encontraram-se em Luanda para uma cimeira tripartida mediada por João Lourenço para discutir uma solução para o conflito armado na fronteira leste da RDCongo.
Na altura, João Lourenço assinalou os "progressos positivos" que resultaram num cessar-fogo entre outras medidas que constam de um roteiro para a paz.
Um relatório não divulgado pelas Nações Unidas, consultado em agosto pela agência France-Presse (AFP), apontou o envolvimento ruandês com o M23 e, esta semana, um diplomata dos Estados Unidos na ONU deixou claro que as Forças de Defesa ruandesas estão a ajudar o M23.
O Ruanda nega e acusa a RDCongo - que também o nega - de conluio com as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda, um movimento rebelde hutu ruandês, com alguns dos seus elementos envolvidos no genocídio dos tutsis no Ruanda em 1994.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.