Tensão no Sudão do Sul com cerco a ex-chefe do Exército
AFP | Reuters | mjp
4 de novembro de 2017
Presidente Salva Kiir incumbiu Forças Armadas de desarmar os guarda-costas de Paul Malong, demitido em maio, sem adiantar explicações. Em Juba, população mantém-se em casa, temendo confrontos.
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A tensão instalou-se na capital do Sudão do Sul, Juba, este sábado (04.11), no âmbito do cerco militar à residência do influente ex-chefe do Exército, Paul Malong, para desarmar os seus guarda-costas.
A operação foi confirmada à agência de notícias France Presse pelo porta-voz do Presidente Salva Kiir, Ateny Wek Ateny - que garantiu que "a situação é normal” e que "o exército exerce um dever de rotina” - e pelo ministro da Informação, Michael Makuei.
De acordo com um documento assinado na segunda-feira (30.10) pelo Presidente Salva Kiir, a tarefa do exército é desarmar os guarda-costas de Paul Malong, que liderou a campanha de Kiir contra os rebeldes e foi demitido em maio e colocado em prisão domiciliária. A destituição de Malong teve lugar após vários oficiais do exército terem apresentado a demissão alegando abusos e discriminação étnica.
Em caso de resistência, os soldados estão autorizados a utilizar "força razoável”. No comunicado, o chefe de Estado não adianta, no entanto, os motivos por detrás das ordens para desarmar os guarda-costas de Paul Malong.
Receio de violência
Perante as movimentações militares, muitos residentes da capital sul-sudanesa preferiram não sair de casa, numa altura em que dezenas de soldados cercavam a residência de Malong.
"Não saio desde esta manhã (...) poderia haver confrontos”, disse Moses Alier, um habitante de Juba, contactado pela AFP.
A demissão de Paul Malong, em maio, suscitou sérias preocupações entre a população, que temia confrontos entre as tropas do ex-chefe do Exército e os soldados leais ao Presidente. Os receios aumentaram com a partida de Malong de Juba para a sua cidade natal de Bahr el-Ghazal, no noroeste do país. Entretanto, o general regressou a Juba, negando qualquer intenção de rebelião.
Dois anos e meio após a independência do país, em julho de 2011, o Sudão do Sul mergulhou numa guerra civil marcada pela violência étnica e alimentada pela rivalidade entre Kiir e o seu ex-vice-Presidente Riek Machar. O conflito deixou milhares de mortos e milhões de deslocados. Mais de metade dos 12 milhões de sul-sudaneses dependem de ajuda alimentar.
Paul Malong, uma figura extremamente influente no país – a ponto de ser considerado por muitos como mais poderoso do que o Presidente Kiir – tinha sido nomeado chefe do Exército em abril de 2014. Pertence ao grupo étnico Dinka e é considerado o instigador dos confrontos violentos que eclodiram na capital sul-sudanesa em julho de 2016, matando centenas de pessoas.
Fuga e rebelião?
Segundo a mulher de Paul Malong, Lucy Ayak, o Governo sul-sudanês teme que o ex-chefe do Exército fuja e lance uma rebelião.
Ayak disse à agência Reuters que vários agentes de segurança chegaram à sua residência ao final do dia de sexta-feira com "ordens específicas” de Kiir.
"Vieram com ordens do Presidente e disseram ao General Malong que tinham de desarmar os seus guarda-costas”, explicou a mulher do ex-chefe do Exército, acrescentando que os soldados tentaram também retirar o telemóvel a Paul Malong.
"O Governo pensa que o General Malong pode levar o país novamente para a guerra. A tensão ainda é alta. Não sabemos se eles vão voltar e detê-lo à força, se ele resistir”, afirmou ainda Lucy Ayak.
Segundo a comunicação social em Juba, um alto comandante do Exército aliado de Malong terá desertado com o objetivo de lançar uma rebelião.
Rebeldes no Sudão do Sul: Sem meios, mas prontos para lutar
O país mais jovem do mundo é palco de um conflito entre tropas do Governo e rebeldes desde 2013. Enquanto persistem as dificuldades no diálogo entre as autoridades, o país está mergulhado numa crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
A calma antes da tempestade
Rebeldes do SPLA-IO (Exército de Libertação do Povo do Sudão em Oposição) recuperam forças antes de um ataque contra as forças armadas do Governo (SPLA - Exército de Libertação do Povo do Sudão) na cidade de Kaya, na fronteira com o Uganda. Um jornalista norte-americano que acompanhava os rebeldes foi morto nos confrontos de 26 de agosto.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Diálogo nacional para a paz?
Apesar do acordo de paz entre o Presidente Salva Kiir (na foto) e o ex-vice-Presidente Riek Machar, o conflito continua. Em maio, os mediadores propuseram um diálogo nacional. "Nós não excluímos ninguém, mas a presença de Riek desestabilizaria toda a região", disse Kiir, em entrevista à DW.
Foto: Getty Images/AFP/Z. Abubeker
Quatro anos de guerra civil
Dois anos após a independência do país, em 2011, o Presidente Salva Kiir e o vice-Presidente Riek Machar entraram em disputa. Kiir acusou Machar de tentativa de golpe de Estado. Os confrontos entre os apoiantes dos dois dirigentes ganharam rapidamente contornos éticos: desde então, os combatentes Nuer - etnia a que pertence Riek Machar - enfrentam os apoiantes de Kiir, do grupo étnico Dinka.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Marcado pela guerra
Entretanto, formou-se uma rede complexa de partes em conflito. As milícias dividiram-se em vários pequenos grupos. Lutam pelo poder político no Sudão do Sul, mas também pelo controlo dos recursos do país. Todos são acusados de violações dos direitos humanos. Milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Dois milhões de refugiados
Na foto, mulheres sul-sudanesas num campo de refugiados na Etiópia. De acordo com a agência de refugiados da ONU, cerca de dois milhões de sul-sudaneses fugiram para países vizinhos desde 2013. Só o Uganda recebeu cerca de um milhão de refugiados.
Foto: Reuters/D. Lewis
Soldados leais
Rebeldes do SPLA-IO rezam e cantam juntos, na véspera de um ataque às forças do Governo. Querem uma mudança de poder. "Enquanto Salva Kiir estiver no poder, não haverá paz. Ele tem de partir", diz o líder rebelde James Khor Chuol Lengdit à agência de notícias Reuters.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Ataques e abusos
A guerra e a seca levaram a uma crise humanitária. A população sofre com a fome, sobretudo no norte do país. Segundo as Nações Unidas, cinco milhões e meio de pessoas dependem atualmente de ajuda alimentar. No entanto, os trabalhadores humanitários são repetidamente atacados. A 30 de agosto, os Médicos Sem Fronteiras anunciaram o fim da ajuda médica.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
A maior crise de refugiados em África
A cidade de Kaya, na fronteira, está deserta. Nas ruas, rebeldes e soldados do Governo travam batalhas sangrentas. Quase um terço da população de 12 milhões de pessoas fugiu do Sudão do Sul ou está deslocada internamente. É a maior crise de refugiados no continente africano desde o genocídio no Ruanda, em 1994.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Rebeldes sem meios
Após 40 minutos de combate, os rebeldes ficam sem munições. "Faltam-nos meios financeiros e apoio", diz o General Matata Frank Elikana à agência de notícias Reuters. "As armas e munições que temos tiramos do inimigo", explica o também governador rebelde do estado de Yei River.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Missão esgotante
Exaustos, os rebeldes do SPLA-IO retiram-se, após o confronto com as tropas governamentais. Descansam junto a uma lagoa antes de seguirem caminho até ao acampamento. Muitos dos jovens soldados estão sob a influência de álcool e drogas. Só assim conseguem suportar as imagens traumáticas do conflito.
Foto: Reuters/G. Tomasevic
Cuidados de emergência
Rebeldes transportam um jovem baleado nos confrontos com as tropas do Governo. É levado numa maca feita de ramos de árvore até ao acampamento onde serão tratados os ferimentos. No entanto, nos acampamentos rebeldes, há muito que os medicamentos deixaram de existir. Muitos combatentes morrem por falta de tratamento médico.