Numa Costa do Marfim dividida, as tropas das Nações Unidas tinham como missão proteger a população e conter a violência. Agora a missão deixa o país, mas o conflito continua.
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É um capítulo que chega ao fim. Esta sexta-feira (30.06), os últimos funcionários da missão das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI) deixam o país.
Aichatou Mindaoudou, representante especial da ONU no país, enumera as conquistas após 13 anos de missão: 67 mil combatentes foram desarmados e reintegrados na população. Além disso, a ONUCI acompanhou várias eleições, incluindo a de 2016, a primeira eleição geral com a participação da oposição. E não é tudo: "Apoiámos o país a promover os direitos humanos. Transferimos a estação de rádio ONUCI-FM para a Fundação Félix Houphouët-Boigny para a Paz, que segue os mesmos princípios rigorosos e padrões profissionais, para continuar o nosso trabalho".
O fim de uma missão da ONU em África é algo que foge à regra. A maioria das missões militares no continente costuma ser prolongada ou transformada em novas missões, com mandatos diferentes. Contudo, segundo o chefe do escritório da Fundação alemã Friedrich Ebert no país, Thilo Schöne, a transição não foi pacífica. "Aqui no país, acredita-se que a retirada das tropas da ONU é apressada. Mesmo os capacetes azuis ficaram, em parte, surpresos", afirma. "Na verdade, fica no país algum equipamento e dinheiro da missão da ONU, porque a retirada não pode ser feita tão rapidamente."
Termina missão das Nações Unidas na Costa do Marfim
De crise em crise
As primeiras forças de paz chegaram ao país em 2004, numa altura em que a Costa do Marfim estava dividida após um motim. As tropas da ONU, em conjunto com as tropas francesas, criaram uma zona tampão e conseguiram manter as partes em conflito separadas. Mas, depois das presidenciais de 2010, houve confrontos violentos e lutas territoriais entre apoiantes do Presidente Laurent Gbagbo, no sul, e do seu adversário Alassane Ouattara, no norte. Cerca de três mil pessoas morreram. Ouattara era tido como o candidato preferido das forças internacionais no país e muitos especulam que tropas das Nações Unidas o tenham apoiado com armas.
Considerações à parte, a verdade é que a situação pouco mudou de lá para cá, diz Thilo Schöne. "Os atores são os mesmos, este ano houve inúmeros motins e a população tem medo das eleições previstas para 2020." A coesão social - um dos objetivos da missão das Nações Unidas no país - está longe de ser alcançada.
A linha de conflito está dentro do próprio Governo de Ouattara. Um dos seus adversários no partido é o presidente do Parlamento, Guillaume Soro. Observadores sugerem que Soro tenha estado por trás dos motins dos últimos meses. "Ainda estão em curso as investigações sobre as armas encontradas entre os apoiantes do presidente do Parlamento", refere o politólogo marfinense Pierre Dagbo Gode. "É difícil saber qual o papel que a ONUCI terá desempenhado. A missão não ajudou os marfinenses a reconciliarem-se; ela não fez da Costa do Marfim um país unido."
Mudança de imagem pretendida
Questionada pela DW, a representante especial da ONU na Costa do Marfim não acredita que os problemas atuais sejam excecionais. "A saída de uma crise nunca acontece de forma linear. Há avanços e retrocessos. Mas podemos estar certos de que a população e os líderes não perdem de vista o objetivo de ter um Estado estável." Pelo menos, criar essa imagem é, segundo os críticos, a mudança pretendida com esta saída prematura da missão.
O próprio Presidente Ouattara terá solicitado o fim da missão das Nações Unidas junto do seu parceiro económico e militar, a França: "O Governo tem um grande interesse em mostrar que o país está no caminho certo e em atrair investidores; em mostrar que o conflito está resolvido, que houve uma comissão de reconciliação e que tudo está novamente em ordem", diz o especialista da Fundação Friedrich Ebert, Thilo Schöne.
É importante abrir um novo capítulo na história do país, considera Ousmane Zina. O cientista político da Universidade de Bouaké sublinha, no entanto, que a retirada das tropas da ONU tem gerado um grande sentimento de receio no seio na população: "As pessoas perguntam: Quem vai assumir agora o papel de mediador imparcial entre os marfinenses que não se entendem?"
Com Julien Adayé, Fiacre Ndayiragiye
Missões de paz da ONU em África
Os capacetes azuis da Organização das Nações Unidas têm intervido em vários países africanos. A MONUSCO, missão de paz da ONU na República Democrática do Congo, é a maior e mais cara de todas. Mas há várias.
Foto: picture-alliance/AA/S. Mohamed
RD Congo: a maior missão da ONU
Desde 1999, que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta pacificar a região oriental da República Democrática do Congo (RDC). A missão conhecida como MONUSCO conta com cerca de 20 mil soldados e um orçamento anual de 1,4 mil milhões de euros. Ainda que esta seja a maior e mais cara missão da ONU, a violência no país persiste.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Darfur: impotente contra a violência
A UNAMID é uma missão conjunta da União Africana e da ONU na região de Darfur, no Sudão, considerada por alguns observadores um fracasso. “O Conselho de Segurança da ONU deve trabalhar mais arduamente para encontrar soluções políticas, em vez de gastar dinheiro no desdobramento militar a longo prazo”, afirmou o especialista em segurança, Thierry Vircoulon.
Foto: picture-alliance/dpa/A. G. Farran
Sul do Sudão: fechar os olhos ao conflito?
A guerra civil no Sul do Sudão já fez com que, desde 2013, mais de quatro milhões de pessoas abandonassem as suas casas. Alguns estão abrigadas em campos de ajuda da ONU. Mas, quando os confrontos entre as forças do Governo e os rebeldes começaram na capital Juba, em julho de 2016, os capacetes azuis não foram bem sucedidos na intervenção.
Foto: Getty Images/A.G.Farran
Mali: mais perigosa missão da ONU no mundo
As forças de paz da ONU no Mali têm estado a monitorizar o cumprimento do acordo de paz realizado entre o Governo e a aliança dos rebeldes liderada pelos tuaregues. No entanto, grupos terroristas como o AQMI continuam a levar a cabo ataques terroristas que fazem com que a Missão da ONU no Mali (MINUSA) seja uma das mais perigosas do mundo. A Alemanha cedeu mais de 700 militares e helicópteros.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
RCA: abusos sexuais fazem manchetes
A missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) não ajudou a melhorar a imagem das Nações Unidas no continente africano. As tropas francesas foram acusadas de abusar sexualmente de crianças pela campanha Código Azul. Três anos depois, as vitimas não têm ajuda da ONU. Desde 2014, 10 mill soldados e 1800 polícias foram destacados para o país. A violência diminuiu, mas a tensão mantém-se.
Foto: Sia Kambou/AFP/Getty Images
Saara Ocidental: Esperança numa paz duradoura
A missão da ONU no Saara Ocidental, conhecida por MINURSO, está ativa desde 1991. Cabe à MINURSO controlar o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário que defende a independência do Saara Ocidental. Em 2016, Marrocos, que ocupa este território desde 1976, dispensou 84 funcionários da MINURSO após um discurso do secretário-geral da ONU que o país não aprovou.
Foto: Getty Images/AFP/A. Senna
Costa do Marfim: um final pacífico
A missão da ONU na Costa do Marfim cumpriu o seu objetivo a 30 de junho de 2016, após 14 anos. As tropas têm vindo a ser retiradas, gradualmente, o que, para o ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, significa “um ponto de viragem das Nações Unidas na Costa do Marfim”. No entanto, apenas depois da retirada total das forças e a longo prazo é que se saberá se a missão foi ou não bem sucedida.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Libéria: missão cumprida
A intervenção da ONU na Libéria chegou ao fim. Desde o fim da guerra civil, que durou 14 anos, que a Missão da ONU na Libéria (UNMIL) tem assegurado a estabilidade na Libéria e ajudado a construir um Estado funcional. O Governo do país quer agora garantir a segurança da Libéria. O país ainda está a lutar com as consequências de uma devastadora epidemia do Ébola que o assolou.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Sudão: Etiópia é promotora da paz?
Os soldados da Força de Segurança Interina da ONU para Abyei (UNISFA) patrulham esta região, rica em petróleo, e que, tanto o Sudão, como o Sudão do Sul, consideram ser sua. Mais de quatro mil capacetes azuis da Etiópia estão no terreno. A Etiópia é o segundo maior contribuinte para a manutenção da paz no mundo. No entanto, o seu exército é acusado de violações de direitos humanos no seu país.
Foto: Getty Images/AFP/A. G. Farran
Somália: Modelo futuro da União Africana?
As forças de paz da ONU na Somália estão a lutar sob a liderança da União Africana numa missão conhecida como AMISOM. Os soldados estão no país africano para combater os islamitas al-Shabaab e trazer estabilidade ao país devastado pela guerra. Etiópia, Burundi, Djibouti, Quénia, Uganda, Serra Leoa, Gana e Nigéria contribuem com as com suas tropas para a AMISOM.