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Cabo Delgado: Parceiros devem ajudar "sem hipocrisia"

Lusa
18 de novembro de 2020

É o que defende o representante do secretário-geral da ONU em Moçambique. E sobre as violações de direitos humanos no norte do país, Mirko Manzoni entende que resultam por vezes de "frustração e impotência" do exército.

Mosambik Mirko Manzoni, UN-Gesandter
Mirko Manzoni, representante do secretário-geral da ONU em MoçambiqueFoto: Romeu da Silva/DW

O representante do secretário-geral das Nações Unidas em Moçambique, Mirko Manzoni, falava na terça-feira (17.11), em entrevista ao jornal suíço Le Temps. Manzoni foi embaixador da Suíça em Moçambique até 2019 e depois foi escolhido por António Guterres para acompanhar as negociações de paz entre Governo e a RENAMO, maior partido da oposição.

Opõe-se ao uso de mercenários na província de Cabo Delgado, mas afirma que a situação é complexa: "a realidade no terreno deve fazer-nos refletir". 

"Quando se pede ajuda e ninguém mexe um dedo, é isso que acontece. Moçambique gasta fortunas com mercenários", primeiro com russos do grupo Wagner e agora com uma empresa sul-africana, detalhou Manzoni, para depois fazer o apelo à ajuda direta dos doadores.

Parceiros que não querem "sujar as mãos"

E Mirko Manzoni exorta: "Oiçamos o apelo de Moçambique: a ajuda militar deve ser fornecida através da cooperação", ou seja, "ajudar o exército moçambicano a cumprir as suas obrigações", em vez de ocupar o seu lugar.  

Casa queimada pelos terroristas em Muidumbe, Cabo DelgadoFoto: Privat

Diz ter noção de que tal ajuda não é bem vista entre os parceiros, que não querem "sujar as mãos", mas "é uma ilusão querer desenvolver a província de Cabo Delgado sem primeiro haver segurança", referiu.

A petrolífera francesa Total financia um serviço de segurança para proteger as suas instalações de exploração de gás natural, em construção na região, "mas esse esforço é muito modesto". 

"Moçambique precisaria de blindados, camiões de transporte de pessoal, 'drones' (aeronaves autónomas) de vigilância e lanchas rápidas para controlar as costas", detalhou.

As semelhanças com o Mali

O representante de António Guterres em Moçambique diz que a situação em Cabo Delgado lhe faz lembrar a ameaça 'jihadista' de 2012 no Mali, mas opõe-se a uma intervenção internacional no norte de Moçambique.

Isso seria "deitar mais lenha na fogueira" e beneficiaria a propaganda extremista.

Por outro lado, disse também que não se pode "dialogar com surdos", referindo-se aos terroristas.

No início dos ataques eram principalmente moçambicanos, mas agora são na maioria "'jihadistas' internacionais vindos da Somália, Iémen, Líbia, Uganda e República Democrática do Congo", com "armas muito sofisticadas", acrescentou, sem, no entanto, explicitar fontes ou provas.

Abusos das FDS são resultado de frustração e impotência

Questionado sobre as violações de direitos humanos cometidas contra a população, algumas atribuídas aos militares moçambicanos, Manzoni referiu que, "paradoxalmente, essas atrocidades também devem ser vistas como um claro pedido de ajuda" das próprias forças armadas.

Cabo Delgado: O relato de um sobrevivente do terrorismo

02:18

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"Não estou de forma alguma a justificar os abusos, mas infelizmente são frequentemente o resultado da frustração e impotência das tropas moçambicanas neste conflito", disse.

Manzoni, referiu que os casos de violação de direitos humanos em Cabo Delgado resultam por vezes de "frustração e impotência" das tropas moçambicanas.

"Qualquer abuso deve ser denunciado, investigado e, na medida do possível, severamente punido", referiu, "de ambos os lados", ou seja, do lado dos terroristas e das tropas moçambicanas.

É o que Manzoni classifica como "um dever de justiça para com todas as vítimas". 

Historial de violência

Diversos relatos e vídeos nas redes sociais têm mostrado ações de tortura durante o conflito de Cabo Delgado, tornando-se mais mediático o caso de uma mulher indefesa baleada pelas costas até morrer por homens trajados como militares moçambicanos, em setembro.

A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2.000 mortes e 435.000 pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos suficientes - concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.

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