Comunidade de Capanga chega a acordo para o seu reassentamento com a Internacional Coal Ventures Limited, detentora da mina de Benga em Moatize. Estão também previstas compensações para as famílias.
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Oito anos de negociações depois, finalmente a comunidade de Capanga – localidade de Benga, em Moatize, será reassentada.
É o ponto final nas disputas entre a população e a empresa detentora da mina de Benga – hoje, propriedade da indiana International Coal Ventures Limited (ICVL) - depois de ter passado pelas mãos da Riversdale e da Rio Tinto.
Há dois anos, o Tribunal Administrativo de Tete emitiu uma ordem para que a empresa indiana desse início, no prazo de 30 dias, ao processo de criação de condições para os moradores da comunidade de Capanga, situada entre o distrito de Moatize e a cidade de Tete.
"Grande vitória"
Júlio Calengo, da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos em Tete, é o representante legal da comunidade. Esteve envolvido em todo processo de negociação e está satisfeito com o memorando assinado entre as partes.
"Para nós é uma grande vitória, um grande exemplo, temos várias empresas aqui em Tete e nunca houve uma assinatura de um memorando", revela Calengo, adiantando que "é um memorando que vem todos os detalhes sobre como vai iniciar o reassentamento, as indemnizações e isso devolve uma certa confiança entre as partes”.
O memorando também agrada a Erino Damasco, presidente do Fórum distrital para as empresas mineradoras e as comunidades, ao nível do conselho consultivo de Moatize.
"Esse processo levou muito tempo para chegar onde chegamos. Já sabemos que os passos subsequentes têm um guião próprio" e acrescenta que "a comunidade já tem garantia de que vai ser reassentada e vai ser compensada".
Construção de casas começa ainda este ano
A população será deslocada para a zona de Mboza – a cerca de 10 quilómetros da vila de Moatize. Serão construídas 270 casas. As obras de construção da futura vila de reassentamento deverão arrancar ainda em 2018 e prevê-se que durem 2 anos.
"O projeto executivo para construção das casas já foi aprovado pelo Governo e a licença de construção também está garantida", disse Arvind Kumar, Gestor da ICVL, assegurando que a estratégia da construção das casas será submetida à aprovação pelo governo provincial de Tete dentro de dias.
"Depois de aprovação da estratégia de construção, estaremos prontos para lançar o concurso público para adjudicação das obras de construção da vila de reassentamento num período de 2 anos", acrescentou Kumar.
Moradores querem acompanhar de perto a construção
Segundo Erino Damasco, os problemas registados nos outros reassentamentos em Tete são lição para os moradores de Capanga, que querem monitorizar todo o processo de construção das suas futuras casas.
"Temos fé de que não vai acontecer o que aconteceu no Mualadzi, Cateme e Bairro 25 de setembro, porque a comunidade por si está informada e vai ser fiscal das construções, qualquer erro que surgir como nos processos anteriores vamos corrigir imediatamente", realça Damasco.
Já foi erguida a casa modelo dos reassentamentos em Mboza. Situa-se na vila de Benga, onde algumas pessoas da comunidade de Capanga preferiam ser colocadas.
"Algumas pessoas dizem que preferem Benga por temerem o que está acontecer em Mualadzi, onde as pessoas estão a sofrer por falta de água, fome e não tem estradas, lojas, etc.", revela Nólia Macajo, líder comunitária de Benga.
Tete: Comunidade de Capanga vai ser reassentada
A ICVL garante todas as condições para o reassentamento de Mboza.
De acordo com Arvind Kumar, "a construção da vila de reassentamento vai ter infraestruturas públicas para os reassentados, como hospital, escola, mercados etc.".
Compensações às famílias
Para além do reassentamento, a mineradora indiana vai pagar cerca de 119 mil meticais de compensação – cerca de 1700 euros - por cada hectare de machambas das comunidades afetadas. Prevê-se que mais de 200 famílias recebam compensações.
Neste momento, decorre o processo da coleta das contas bancárias das comunidades, e a empresa garante que dentro de um mês serão pagas as compensações.
Outros casos a aguardar resposta
Desde que começou o processo de exploração de carvão em Tete, são reportados vários problemas com os reassentamentos, sendo que os de Cateme e 25 de Setembro, em Moatize, pela Vale Moçambique, são os mais gritantes.
Em Cassoca, no distrito de Marara, em Tete, mais de 300 famílias afetadas pelas operações de extração do carvão pela Jindal, também aguardam há bastante tempo desde 2012 pelo seu reassentamento.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.