Tete: Confrontos entre civis e militares por causa de terras
Jovenaldo Ngovene (Tete)
20 de agosto de 2021
Uma disputa de terra entre militares e civis terminou com disparos e agressões no bairro Chingodzi, arredores de Tete, em Moçambique. Incidente devia ter sido debatido hoje, mas polícia e autarquia faltaram ao encontro.
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Os populares reivindicam vários hectares de terra localizados junto ao quartel da polícia militar, na cidade de Tete, centro de Moçambique. Afirmam que herdaram os terrenos dos seus antepassados e ali nasceram, cresceram e desenvolveram a prática agrícola.
Acusam agora os militares de se apoderarem do espaço, alegando que pertence ao quartel e que está interdito à habitação e outras atividades.
No entanto, segundo a população, os mesmos terrenos estão a ser comercializados a outros civis e a ser distribuídos para a fixação de residências dos próprios militares.
Indignados, dezenas de populares saíram à rua na terça-feira (17.08) para reivindicar as suas terras. Mas cerca de 50 polícias militares reprimiram a manifestação, agredindo as pessoas - incluindo mulheres idosas - e disparando mais de uma centena de balas reais para acabar com os tumultos.
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02:09
"Queremos justiça"
"Nós queremos justiça. Não queremos ver mais essas coisas, por isso levamos o caso para a frente, para nos resolverem o problema, porque se tivéssemos ficado assim só, ontem poderíamos morrer", disse um popular à DW.
"Houve disparos aqui ontem, havia à volta de 45 militares que vieram aqui, todos eles armados, encontraram-nos aqui e começaram a disparar de qualquer maneira, começaram a nos espancar e daí fomos levados para o quartel, chegamos lá algemados e nos espancaram de novo", relata outro manifestante, acrescentando que agora "não consegue andar" devido à violência de que foi vítima.
Para a manhã desta quinta-feira (19.08), estava marcado um encontro que juntaria os populares que se sentem injustiçados, a polícia militar e o conselho municipal da cidade de Tete, sendo que os dois últimos faltaram ao encontro, sem dar nenhuma explicação.
A DW África tentou ouvir a vereação que tutela a urbanização, mas esta não se disponibilizou para qualquer esclarecimento. Tentámos também, sem sucesso, obter explicações do chefe da unidade residencial, acusado pela população de estar a cooperar com os militares na venda dos espaços.
"Agora não posso falar nada, não posso falar nada agora", disse o chefe da unidade residencial.
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Caso irá a PGR?
E as vítimas contestam a indisponibilidade e exigem: "Ele como chefe está a dizer que não pode falar agora, vai falar quando? Fala agora, fala agora!"
O advogado Bento Salazar condena os atos protagonizados pelos militares e deixa um apelo aos populares: “Recomendo que todo cidadão que se sentiu lesado se aproxime da Procuradoria e faça uma participação de forma indiscriminada, detalhada e incluindo até a indicação do nome, as caraterísticas de todo membro da FADM que participou neste ato criminal”.
Enquanto isso, a população do bairro Chingodzi continua à espera de uma solução para a disputa do terreno.
Bairro de reassentamento de Mualadzi: Quando a fome obriga a vender o telhado
Moradores de Mualadzi, no distrito de Moatize, centro de Moçambique, sofrem com a seca e a fome. Para sobreviver, muitos vendem as chapas que cobrem as casas construídas pela empresa de mineração Riversdale.
Foto: DW/Amós Zacarias
Um bairro de dificuldades
Mualadzi, no distrito de Moatize, província de Tete, foi finalizado em 2013 para albergar mais de 470 famílias retiradas de Capanga para dar lugar às operações da mina de Benga - hoje, propriedade da International Coal Ventures Limited (ICVL) - depois de ter passado pelas mãos da Riversdale e da Rio Tinto. Entretanto, muitos abandonaram o bairro onde falta quase tudo: água, comida e emprego.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fome já é rotina
"Aqui comemos farelo e frutos silvestres. Estamos a morrer. Devem-nos devolver onde estávamos": este é o grito da comunidade reassentada em Mualadzi, que já escreveu uma carta ao governador provincial pedindo socorro. Vivem-se dias complicados devido à escassez de chuva nas épocas agrícolas de 2017 e 2018.
Foto: DW/Amós Zacarias
Sem telhados, portas ou janelas
É uma realidade dura. Muitas famílias estão a tirar as chapas de zinco que cobrem as suas residências para vender. Mais de 20 residências já não têm telhados, portas ou janelas. Muitas casas foram vendidas e os seus proprietários regressaram às zonas de origem.
Foto: DW/Amós Zacarias
Vender antes de partir
O cenário repete-se um pouco por todo o bairro. O proprietário desta casa foi vendendo a casa por partes: primeiro, as chapas de zinco, depois, as portas e as janelas das duas casas de banho e cozinha que tinham sido construídas pela Riversdale. No fim, sobrou apenas a cobertura do quarto onde até há bem pouco tempo vivia, antes de vender tudo a 20 mil meticais (cerca de 280 euros).
Foto: DW/Amós Zacarias
Alimentação pobre
Crianças e adultos recorrem a frutos silvestres para matar a fome. Esta é uma imagem vulgar: partem-se os frutos com pedras para retirar a amêndoa.
Foto: DW/Amós Zacarias
Xima quando há dinheiro
Os poucos moradores de Mualadzi com acesso a uma alimentação condigna são membros de famílias que conseguem desenvolver alguma atividade comercial no próprio bairro ou na vila de Moatize. A maior parte das refeições no bairro de reassentamento faz-se à base de farelo comprado na aldeia de Cateme ou na vila. Estas crianças comem xima, uma massa de farelo, acompanhada com caril.
Foto: DW/Amós Zacarias
Água não jorra
Quando o bairro de Mualadzi foi aberto, em 2013, estavam em funcionamento 16 furos de água. Hoje, a maioria não está a operar.
Foto: DW/Amós Zacarias
Zona imprópria para agricultura
Além da falta de água, o próprio terreno da zona de reassentamento não é adequado para a prática da agricultura. Para chegarem aos seus pequenos campos de cultivo, os residentes de Mualadzi têm de percorrer entre 10 a 15 quilómetros. Não há transportes, nem mesmo para ir de Mualadzi a Cateme. A principal via que dá acesso àquela zona residencial não está em condições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Rostos do desespero
Torres Avelino Conforme, um dos moradores de Mualadzi, é pai de cinco filhos. Está desempregado. Em Capanga, desenvolvia muitas atividades de rendimento. Aqui, viu-se obrigado recentemente a vender as chapas de cobertura da sua cozinha por 1200 meticais, cerca de 17 euros, porque um dos filhos estava muito debilitado por causa da fome. Pede para voltar a Capanga: "Estávamos bem", afirma.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fórum comunitário tenta dar apoio
Crianças e idosos são os mais afetados por todo o sofrimento que se vive em Mualadzi. O fórum comunitário local tenta encontrar formas de ajudar estas camadas sociais.
Foto: DW/Amós Zacarias
Apelos sem resposta
Liliane Rodrigues, presidente do Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Mualadzi, diz que já houve muitas tentativas de convencer as autoridades distritais e provinciais a dar assistência às crianças e idosos locais, mas em vão. Neste momento, a agremiação tenta encontrar apoio para as camadas vulneráveis junto de outras instituições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Juventude desmoralizada
Muitos jovens em Mualadzi estão desempregados. Recorrem ao corte de lenha e produção de carvão vegetal, ao longo da Estrada Nacional 7, para sobreviver. Muitos estudaram e já estiveram empregados. Mas, agora, a realidade é outra: faltam oportunidades no bairro de reassentamento.