Tete: Conflito entre civis e militares por causa de terras
Jovenaldo Ngovene (Tete)
31 de agosto de 2021
Continua sem haver consenso no conflito de terra entre civis e militares no bairro Chingodzi, arredores da cidade moçambicana de Tete. Os mediadores têm tentado o diálogo, mas últimos encontros não resultaram em avanços.
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Uma semana depois de os militares dispararem contra manifestantes usando munições reais e agredirem civis na cidade de Tete, centro de Moçambique, o Conselho Municipal juntou as duas partes para tentar resolver o conflito de terra cada vez mais tenso no bairro Chingodzi.
Em causa estão vários hectares próximos do quartel da polícia militar, onde várias famílias costumavam residir e praticar a agricultura até 2010, quando militares passaram a usar a área. A alegação da polícia militar é de que o terreno faz parte do quartel e que nenhum civil pode ocupá-la. Entretanto, várias famílias resistem à desocupação.
No último encontro de mediação, a dia 26 de agosto, a edilidade defendeu que os civis abandonem as terras, o que provocou a revolta da comunidade. No encontro de reconciliação, o Conselho Municipal e a parte militar recusaram prestar declarações à imprensa.
Ameaças contra moradores
Segundo os moradores, que preferiram falar em anonimato à DW África, os militares teriam ameaçado de morte quem insistisse em ocupar os terrenos, mas os populares garantem que estão preparados para tudo.
"Queremos os nossos terrenos e a partir de hoje vamos continuar a fazer as nossas atividades lá, se eles nos matarem, vamos morrer por causa das nossas machambas", garante um dos habitantes do bairro Chingodzi.
"Nasci aqui em Tete, cresci aqui e tenho também os meus filhos. Eles disseram que quem for às machambas vamos matar, a pessoa vai morrer e vamos enterrar, não é nada isso. E quem disse foi o comandante do quartel", contou outra moradora, que diz ter herdado a sua machamba do avô.
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Um crime grave
O advogado Bento Salazar considera que os militares cometeram um crime grave ao ameaçarem cidadãos civis e indefesos. "É óbvio que deve se fazer uma queixa, diretamente para cada um dos intervenientes que estiveram na reunião, sobre estas ameaças, porque a população deve ficar segura e é missão de quem o Estado conferiu a arma dar segurança ao povo e não atormentar", sublinha.
No local, os militares ameaçaram ainda um grupo de jornalistas, proibindo a captação de imagens e também a gravação de áudios. Todo o registo feito pela imprensa só foi possível depois da retirada dos jornalistas do encontro.
Uma ação também repudiada por Bento Salazar. "Não é admissível, tanto que sabemos que estamos perante um Estado democrático e temos a lei de imprensa, assim como a Constituição da República e também existe uma lei que nos atribui a faculdade de direito à informação", lembra o advogado.
Bairro de reassentamento de Mualadzi: Quando a fome obriga a vender o telhado
Moradores de Mualadzi, no distrito de Moatize, centro de Moçambique, sofrem com a seca e a fome. Para sobreviver, muitos vendem as chapas que cobrem as casas construídas pela empresa de mineração Riversdale.
Foto: DW/Amós Zacarias
Um bairro de dificuldades
Mualadzi, no distrito de Moatize, província de Tete, foi finalizado em 2013 para albergar mais de 470 famílias retiradas de Capanga para dar lugar às operações da mina de Benga - hoje, propriedade da International Coal Ventures Limited (ICVL) - depois de ter passado pelas mãos da Riversdale e da Rio Tinto. Entretanto, muitos abandonaram o bairro onde falta quase tudo: água, comida e emprego.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fome já é rotina
"Aqui comemos farelo e frutos silvestres. Estamos a morrer. Devem-nos devolver onde estávamos": este é o grito da comunidade reassentada em Mualadzi, que já escreveu uma carta ao governador provincial pedindo socorro. Vivem-se dias complicados devido à escassez de chuva nas épocas agrícolas de 2017 e 2018.
Foto: DW/Amós Zacarias
Sem telhados, portas ou janelas
É uma realidade dura. Muitas famílias estão a tirar as chapas de zinco que cobrem as suas residências para vender. Mais de 20 residências já não têm telhados, portas ou janelas. Muitas casas foram vendidas e os seus proprietários regressaram às zonas de origem.
Foto: DW/Amós Zacarias
Vender antes de partir
O cenário repete-se um pouco por todo o bairro. O proprietário desta casa foi vendendo a casa por partes: primeiro, as chapas de zinco, depois, as portas e as janelas das duas casas de banho e cozinha que tinham sido construídas pela Riversdale. No fim, sobrou apenas a cobertura do quarto onde até há bem pouco tempo vivia, antes de vender tudo a 20 mil meticais (cerca de 280 euros).
Foto: DW/Amós Zacarias
Alimentação pobre
Crianças e adultos recorrem a frutos silvestres para matar a fome. Esta é uma imagem vulgar: partem-se os frutos com pedras para retirar a amêndoa.
Foto: DW/Amós Zacarias
Xima quando há dinheiro
Os poucos moradores de Mualadzi com acesso a uma alimentação condigna são membros de famílias que conseguem desenvolver alguma atividade comercial no próprio bairro ou na vila de Moatize. A maior parte das refeições no bairro de reassentamento faz-se à base de farelo comprado na aldeia de Cateme ou na vila. Estas crianças comem xima, uma massa de farelo, acompanhada com caril.
Foto: DW/Amós Zacarias
Água não jorra
Quando o bairro de Mualadzi foi aberto, em 2013, estavam em funcionamento 16 furos de água. Hoje, a maioria não está a operar.
Foto: DW/Amós Zacarias
Zona imprópria para agricultura
Além da falta de água, o próprio terreno da zona de reassentamento não é adequado para a prática da agricultura. Para chegarem aos seus pequenos campos de cultivo, os residentes de Mualadzi têm de percorrer entre 10 a 15 quilómetros. Não há transportes, nem mesmo para ir de Mualadzi a Cateme. A principal via que dá acesso àquela zona residencial não está em condições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Rostos do desespero
Torres Avelino Conforme, um dos moradores de Mualadzi, é pai de cinco filhos. Está desempregado. Em Capanga, desenvolvia muitas atividades de rendimento. Aqui, viu-se obrigado recentemente a vender as chapas de cobertura da sua cozinha por 1200 meticais, cerca de 17 euros, porque um dos filhos estava muito debilitado por causa da fome. Pede para voltar a Capanga: "Estávamos bem", afirma.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fórum comunitário tenta dar apoio
Crianças e idosos são os mais afetados por todo o sofrimento que se vive em Mualadzi. O fórum comunitário local tenta encontrar formas de ajudar estas camadas sociais.
Foto: DW/Amós Zacarias
Apelos sem resposta
Liliane Rodrigues, presidente do Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Mualadzi, diz que já houve muitas tentativas de convencer as autoridades distritais e provinciais a dar assistência às crianças e idosos locais, mas em vão. Neste momento, a agremiação tenta encontrar apoio para as camadas vulneráveis junto de outras instituições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Juventude desmoralizada
Muitos jovens em Mualadzi estão desempregados. Recorrem ao corte de lenha e produção de carvão vegetal, ao longo da Estrada Nacional 7, para sobreviver. Muitos estudaram e já estiveram empregados. Mas, agora, a realidade é outra: faltam oportunidades no bairro de reassentamento.