Tete: Igreja inicia canonização de padres mortos na guerra
Lusa
20 de junho de 2021
O padre português Sílvio Moreira e o padre moçambicano João de Deus Gonçalves Kamtedz foram assassinados a tiro em 1985 por terem denunciado a violência durante a guerra civil em Moçambique.
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A diocese de Tete, centro de Moçambique, vai iniciar o processo de canonização de dois padres jesuítas - um português e um moçambicano -, mortos na missão de Chapotera em 1985.
"Eram testemunhas dos acontecimentos e, evidentemente, tendo ligações com a igreja em Moçambique, com pessoas que tinham acesso ao poder", denunciaram "a violência, das duas partes. Por isso eram vozes incómodas", justifica Diamantino Antunes, bispo de Tete.
O padre português Sílvio Moreira e o padre moçambicano João de Deus Gonçalves Kamtedz foram assassinados a tiro e com baionetas a 30 de outubro de 1985 por um grupo armado que os tirou de casa, em Chapotera, na zona de Angónia.
Quase 36 anos depois, a igreja católica em Tete está numa fase preliminar do processo de canonização, acreditando que os dois missionários são "mártires". Eles "eram contrários à guerra e sentiam o sofrimento do povo como sofrimento deles", justifica o bispo de Tete.
Baseado nos relatos documentais e orais recolhidos em Moçambique e em Portugal, Diamantino Antunes sublinha as virtudes dos dois missionários que colocaram em risco a sua própria vida para ajudar a sepultar os mortos que encontravam espalhados, enquanto garantiam serviços de saúde, educação e outros.
"Eles decidiram: vamos ficar, custe o que custar. E naquela zona as pessoas ficaram enquanto os padres lá estavam. Mas depois da morte deles houve uma debandada generalizada para o Malawi", explicou o bispo.
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Histórico da missão
Imediatamente a seguir à independência de Moçambique, em 1975, a vizinha missão de Lifidzi foi ocupada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e os jesuítas aí residentes ficaram sem a grande igreja e as demais instalações da missão. Criar uma nova missão no lugar de Chapotera afigurou-se como alternativa.
Mas Diamantino Antunes referiu que o impacto da morte dos dois missionários se refletiu mesmo depois dos acordos de paz, em 1992, quando a população resistiu a regressar de imediato à região, por ainda recear a insegurança.
Os dois sacerdotes estavam em Chapotera há pouco mais de um ano, quando se deu o ataque, em 1985. Um comunicado de imprensa emitido na altura das mortes pela Companhia de Jesus indica que na noite de 30 de outubro um grupo armado levou os jesuítas para um lugar incerto.
Segundo o bispo de Tete, todas as informações recolhidas levam a crer que o alvo principal do ataque seria o padre João de Deus, que estava a traduzir a bíblia para a língua local.
A causa de canonização já teve o aval para avançar por parte da Companhia de Jesus e da Conferência Episcopal e aguarda outras consultas e pareceres, incluindo da Santa Sé. Um dos passos pretende verificar a inexistência de qualquer inconveniente ou impedimento devido ao contexto político: "Não queremos ajustar contas com ninguém, mas apenas - e o mais importante é isto - evidenciar o testemunho", diz Diamantino Antunes.
Zonas de guerra transformadas em locais de desenvolvimento
Regiões da província de Maputo testemunharam ataques e mortes durante a guerra civil em Moçambique. Antigos cenários de guerra tornam-se hoje palco para o desenvolvimento local do comércio e da indústria.
Foto: DW/R. da Silva
Um passado de mortes
A região onde fica a aldeia 3 de Fevereiro, a norte da província de Maputo, foi a mais dilacerada pela guerra civil. Na altura, a imprensa tinha como manchetes para as suas capas o sofrimento dos residentes desta região. Não há números exatos, mas houve muitas mortes na sequência de ataques atribuídos à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o atual maior partido da oposição.
Foto: DW/R. da Silva
A escola mais atacada
Este estabelecimento de ensino, construído na época colonial, dedicava-se à formação de professores africanos. Durante a guerra civil, foram reportados ataques e os alunos muitas vezes deslocavam-se à vila da Manhiça. Hoje, a escola é a sede do Instituto Médio Politécnico Alvor.
Foto: DW/R. da Silva
Abrigo para os fugitivos
Esta varanda já tinha donos: os deslocados dos arredores da vila da Manhiça encontravam neste lugar o mais seguro apenas para passar a noite. A varanda foi atacada algumas vezes, o que os desesperou. Hoje, como se pode notar, no local há estabelecimentos comerciais.
Foto: DW/R. da Silva
Marcas da guerra
Há zonas, como Magude, cujos edifícios nunca mereceram reabilitações que possam fazer esquecer as marcas da guerra. Este edifício faz parte da missão católica de Magude, que foi atacado durante a guerra, e que nunca mais conheceu uma reabilitação.
Foto: DW/R. da Silva
Única entrada, única saída
Esta é uma ponte que desperta curiosidade aos que pela primeira vez visitam a vila de Magude. Pela mesma ponte passam peões, motociclistas, viaturas e locomotivas. Por baixo, passa o rio Inkomati, que não impedia ataques durante a guerra a esta pequena vila.
Foto: DW/R. da Silva
Repovoamento de animais
O distrito de Magude localiza-se mais a nordeste da província de Maputo. Esta zona foi severamente afetada pela guerra e a população bovina baixou drasticamente. Mas agora, com projetos de repovoamento destes animais, Magude é dos maiores produtores de carne na província.
Foto: DW/R. da Silva
Isolamento
O distrito de Magude é um dos mais isolados da província de Maputo. O seu desenvolvimento está a ser muito lento, apesar de a guerra ter terminado há mais de 20 anos. Falta muita coisa por melhorar. Esta loja, por exemplo, ainda apresenta marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Coluna militar
A guerra abateu-se muito sobre Maluana. Este posto administrativo do distrito de Manhiça ficou conhecido pelos ataques que sofria. A coluna militar era a única que ajudava as pessoas a passar por esta zona. Pouco depois da guerra, as marcas eram ainda visíveis - como carcaças de viaturas queimadas. Agora, está a registar um desenvolvimento, com o comércio informal a ganhar força.
Foto: DW/R. da Silva
Centro de tecnologias
O Governo de Moçambique criou um centro de tecnologias nesta região severamente afetada pela guerra, o que antes era impensável. É um edifício que foi instalado no meio da mata, precisamente numa estrada de terra que dá acesso ao centro de formação de militares de Munguine, mais a leste da província de Maputo.
Foto: DW/R. da Silva
De cenário de guerra a pólo económico
A região de Bobole, no distrito de Marracuene, também foi uma zona de guerra. Aliás, as atrocidades começavam nesta região e o cenário era de "cada um por si e Deus por todos". As colunas militares começavam ou descansavam neste ponto. Hoje, a multinacional Heineken instalou aqui a sua empresa e Bobole está a ter novo rosto económico.
Foto: DW/R. da Silva
Estância turística
Esta é a entrada para a aldeia de Taninga. Tal como a 3 de Fevereiro, esta aldeia testemunhava frequentemente mortes e muitos dos residentes destas duas aldeias vizinhas acabaram por se refugiar na vila da Manhiça e outros na cidade de Maputo. Hoje, há uma estância turística que faz esquecer as marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Proteção dos corredores ferroviários
Os que viveram os momentos de instabilidade e que precisavam frequentemente se deslocar contam que o comboio de passageiros era igualmente atacado. O corredor do Limpopo era crucial para o transporte de mercadorias para países vizinhos. A RENAMO e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) acabaram por assinar um acordo para não atacar corredores ferroviários de todo o país.