Famílias de Capanga, no centro de Moçambique, obrigadas a sair das suas casas devido à exploração do carvão mineral recusam-se a ocupar novas habitações. Acusam a empresa de não cumprir totalmente os seus deveres.
Publicidade
No distrito de Moatize, província de Tete, as famílias que tiveram de abandonar as suas casas para permitir a exploração de carvão mineral consideram que as 272 habitações na nova zona residencial não reúnem condições para viver. O reassentamento em Mboza chegou com 10 anos de atraso e os cidadãos sentem-se injustiçados, reivindicando os seus direitos por parte da mineradora.
A International Coal Ventures Private Limited (ICVL) está a entregar moradias, uma cesta básica e uma compensação no valor de 30 mil meticais (cerca de 410 euros). Segundo a comunidade, esta quantia não chega para compensar as perdas que resultaram da saída da antiga zona de residência.
A nova unidade residencial tem uma escola fechada que não tem carteiras e um hospital sem condições para auxiliar os doentes, queixam-se alguns moradores.
Jovem moçambicano aposta no eco-carvão como alternativa
02:25
Um dos residentes afirma que a ICVL "está a negar fazer o mapeamento dos bens" da população. "Há pessoas que têm animais e precisam de dinheiro para ter outro espaço para acomodar os seus animais", exemplifica o cidadão.
A quantia oferecida é insuficiente para preservar as condições de vida. "Qual é a minha possibilidade para sair e viver em Mboza? São 30 mil meticais e eu tenho casa, crias, machambas", queixa-se. Aos olhos do morador, "o reassentamento não está compatível, a população está realmente humilhada".
Publicidade
Reassentamento "sem sobressaltos" segundo CPO
A insatisfação da comunidade de Capanga choca com o balanço positivo feito pela CPO na Assembleia da República, que esteve no terreno em setembro passado. O representante da comissão, António Niquice, afirmou na altura que "o plano de reassentamento tem estado a ser aplicado às famílias movimentadas para que a atividade da indústria extrativa decorra sem sobressaltos".
Niquice disse ainda que a mudança dos cidadãos "está em consonância com os padrões recomendados internacionalmente e com a legislação nacional no que toca à criação de condições e do desenvolvimento".
O administrador distrital de Moatize, Pedro Muchanga, diz ter havido um trabalho de sensibilização junto da comunidade para que esta ocupe as moradias. O governante garante que será concedido 2,75% resultante da exploração mineral à população. "O governo vai trabalhar no sentido de esses valores serem distribuídos pelos distritos e aplicados ao rendimento da população", disse.
Apesar das promessas, uma das cidadãs deslocadas queixa-se: "Quais os nossos direitos, afinal? Eu como reassentada tenho de sair a ganhar."
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a ICVL para esclarecer a situação.
Bairro de reassentamento de Mualadzi: Quando a fome obriga a vender o telhado
Moradores de Mualadzi, no distrito de Moatize, centro de Moçambique, sofrem com a seca e a fome. Para sobreviver, muitos vendem as chapas que cobrem as casas construídas pela empresa de mineração Riversdale.
Foto: DW/Amós Zacarias
Um bairro de dificuldades
Mualadzi, no distrito de Moatize, província de Tete, foi finalizado em 2013 para albergar mais de 470 famílias retiradas de Capanga para dar lugar às operações da mina de Benga - hoje, propriedade da International Coal Ventures Limited (ICVL) - depois de ter passado pelas mãos da Riversdale e da Rio Tinto. Entretanto, muitos abandonaram o bairro onde falta quase tudo: água, comida e emprego.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fome já é rotina
"Aqui comemos farelo e frutos silvestres. Estamos a morrer. Devem-nos devolver onde estávamos": este é o grito da comunidade reassentada em Mualadzi, que já escreveu uma carta ao governador provincial pedindo socorro. Vivem-se dias complicados devido à escassez de chuva nas épocas agrícolas de 2017 e 2018.
Foto: DW/Amós Zacarias
Sem telhados, portas ou janelas
É uma realidade dura. Muitas famílias estão a tirar as chapas de zinco que cobrem as suas residências para vender. Mais de 20 residências já não têm telhados, portas ou janelas. Muitas casas foram vendidas e os seus proprietários regressaram às zonas de origem.
Foto: DW/Amós Zacarias
Vender antes de partir
O cenário repete-se um pouco por todo o bairro. O proprietário desta casa foi vendendo a casa por partes: primeiro, as chapas de zinco, depois, as portas e as janelas das duas casas de banho e cozinha que tinham sido construídas pela Riversdale. No fim, sobrou apenas a cobertura do quarto onde até há bem pouco tempo vivia, antes de vender tudo a 20 mil meticais (cerca de 280 euros).
Foto: DW/Amós Zacarias
Alimentação pobre
Crianças e adultos recorrem a frutos silvestres para matar a fome. Esta é uma imagem vulgar: partem-se os frutos com pedras para retirar a amêndoa.
Foto: DW/Amós Zacarias
Xima quando há dinheiro
Os poucos moradores de Mualadzi com acesso a uma alimentação condigna são membros de famílias que conseguem desenvolver alguma atividade comercial no próprio bairro ou na vila de Moatize. A maior parte das refeições no bairro de reassentamento faz-se à base de farelo comprado na aldeia de Cateme ou na vila. Estas crianças comem xima, uma massa de farelo, acompanhada com caril.
Foto: DW/Amós Zacarias
Água não jorra
Quando o bairro de Mualadzi foi aberto, em 2013, estavam em funcionamento 16 furos de água. Hoje, a maioria não está a operar.
Foto: DW/Amós Zacarias
Zona imprópria para agricultura
Além da falta de água, o próprio terreno da zona de reassentamento não é adequado para a prática da agricultura. Para chegarem aos seus pequenos campos de cultivo, os residentes de Mualadzi têm de percorrer entre 10 a 15 quilómetros. Não há transportes, nem mesmo para ir de Mualadzi a Cateme. A principal via que dá acesso àquela zona residencial não está em condições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Rostos do desespero
Torres Avelino Conforme, um dos moradores de Mualadzi, é pai de cinco filhos. Está desempregado. Em Capanga, desenvolvia muitas atividades de rendimento. Aqui, viu-se obrigado recentemente a vender as chapas de cobertura da sua cozinha por 1200 meticais, cerca de 17 euros, porque um dos filhos estava muito debilitado por causa da fome. Pede para voltar a Capanga: "Estávamos bem", afirma.
Foto: DW/Amós Zacarias
Fórum comunitário tenta dar apoio
Crianças e idosos são os mais afetados por todo o sofrimento que se vive em Mualadzi. O fórum comunitário local tenta encontrar formas de ajudar estas camadas sociais.
Foto: DW/Amós Zacarias
Apelos sem resposta
Liliane Rodrigues, presidente do Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Mualadzi, diz que já houve muitas tentativas de convencer as autoridades distritais e provinciais a dar assistência às crianças e idosos locais, mas em vão. Neste momento, a agremiação tenta encontrar apoio para as camadas vulneráveis junto de outras instituições.
Foto: DW/Amós Zacarias
Juventude desmoralizada
Muitos jovens em Mualadzi estão desempregados. Recorrem ao corte de lenha e produção de carvão vegetal, ao longo da Estrada Nacional 7, para sobreviver. Muitos estudaram e já estiveram empregados. Mas, agora, a realidade é outra: faltam oportunidades no bairro de reassentamento.