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O Che Guevara africano

Martina Schwikowski
14 de outubro de 2017

O ex-Presidente do Burkina Faso é um ícone do movimento de libertação africano. Trinta anos após a sua morte violenta, Sankara ainda serve de inspiração à juventude do continente.

Foto: Getty Images/AFP/A. Joe

O dia 15 de outubro de 1987 é uma data gravada na memória de muitos africanos. Trata-se do dia em que foi assassinado o então Presidente do Burkina Faso, Thomas Sankara, durante um golpe de Estado. O seu vice, Blaise Campaoré, assumiu o poder neste pequeno país da África ocidental, e não o largou durante quase três décadas. Postumamente, o socialista Thomas Sankara transformou-se num herói popular, um segundo Che Guevara, cujos ideais continuam a orientar muitos africanos, sobretudo os mais jovens.

Os adeptos de Sankara planeiam marcar o trigésimo aniversário do seu ídolo com manifestações. "Thomas era especial porque se dedicou inteiramente ao seu país e ao seu povo", disse à DW Moussbila Sankara, ex-embaixador do Burkina Faso na Líbia. Muitos seguidores do Presidente consideravam-no um visionário.

Duro e carismático

Sankara, que nasceu em 1949, sonhava criar um Estado sem corrupção, independente do ocidente e estreitamente unido aos países vizinhos. Os seus ideais eram a revolução cubana e o seu homólogo do Gana, Jerry Rawlings, com quem mais tarde começou a planear a unificação dos dois países. O então general Thomas Sankara apoderou-se do Governo em 1983 através de um golpe de Estado. Mesmo como Presidente envergava quase sempre a farda militar. A sua aparência severa contrastava com os seus passatempos: tocava guitarra num conjunto e gostava de andar de motorizada.

A juventude no Burkina Faso não esqueceu Thomas SankaraFoto: Getty Images/I. Sanogo

Mas acima de tudo Sankara era muito carismático, o que lhe serviu de instrumento para fazer avançar a política socialista. Era com um sorriso que fazia exigências que assustavam as antigas potências coloniais. Assim apelou aos países africanos para que não pagassem as dívidas contraídas junto do ocidente, exigência que lhe parecia justificada por causa da exploração colonial.

Sankara queria dar mais poderes à população rural, que representa a grande maioria no país. Na sua presidência foram construídos clínicas e centros comunitários em aldeias remotas. Em 1984, equipas médicas móveis vacinaram mais de dois milhões de crianças. Nesse ano Sankara nacionalizou o chão burquinabe. A produção agrária cresceu. Em 1986, 35.000 aldeãos aprenderam a ler e escrever em três meses. "Os pobres, que ansiavam por justiça e reconhecimento, eram os seguidores de Sankara", diz Moussbila Sankara. "Eles orgulhavam-se de fazer parte desta nação."

Homem do povo

Sankara tinha duas qualidades raras entre as elites do continente: era íntegro e modesto. Ele próprio não possuía grande coisa e os seus filhos frequentaram escolas públicas. A mulher continuou a trabalhar no Departamento de Transportes do país quando já era primeira dama. O Presidente vendeu os carros de luxo dos seus predecessores, obrigando os ministros do Governo a seguir o seu exemplo e andar numa viatura Renault 5 – na altura o carro mais barato no mercado. Em 1984 mudou o nome do país, até então a República do Alto Volta, para Burkina Faso, o que significa "país do povo honesto”.

O ex-Presidente Blaise Campaoré está ser julgado em ausência pelo assassínio de SankaraFoto: picture alliance/AP Photo/R. Blackwell

A geração mais velha, que viveu a experiência socialista, é mais cética em relação a Sankara do que os jovens no país. O que também tem a ver com as circunstâncias da sua morte. O jovem oficial só foi Presidente durante quatro anos. Quem o sucedeu na chefia de Estado depois do seu assassínio num golpe foi justamente o seu vice e amigo Blaise Campaoré. Os dois conheceram-se no exército nos anos 70. Campaoré ajudou Sankara a assumir o poder em 1983.

De amigo para inimigo

Em outubro de 1987, numa comemoração em memória do revolucionário sul-americano, Sankara citou Che Guevara: "Pode-se matar revolucionários e indivíduos, mas não ideias". Uma semana mais tarde Sankara estava morto e o autocrata Campaoré começou a desfazer muitas das suas iniciativas e conquistas. Campaoré esteve no poder de 1987 até outubro de 2014 e tentou alterar a Constituição para permanecer mais tempo na presidência. Mas com isso provocou a ira popular e protestos maciços que levaram à revolução pacífica. Muitos jovens no país recomeçaram a identificar-se com Thomas Sankara. "O escravo que não é capaz de assumir a revolta não merece que nos apiedemos dele", disse uma vez Sankara. "Só a luta pode ser livre". Após 27 anos no poder, Campaoré retirou-se do poder e exilou-se na vizinha Costa do Marfim.

Protestos contra Campaoré em 2014 puseram o autocrata em fugaFoto: Getty Images/ AFP/ Issouf Sanogo

"Crivado de balas​​​​​​"

No final de 2015, o antigo primeiro-ministro Roch Marc Christian Kaboré foi ajuramentado Presidente do Burkina Faso. Mas muitos burquinabes que esperavam reformas estão hoje desiludidos.

Também as circunstâncias exatas da morte de Sankara ainda não foram esclarecidas – apesar da exumação do cadáver e um alegado teste do AND. A investigação concluiu que o Presidente foi atingido por uma chuva de balas num tiroteio entre a sua guarda pessoal e os golpistas. Muitos acreditam que Campaoré estava por trás do golpe. "Os homens que mataram Sankara eram comandados por Gilbert Diendéré, o chefe de segurança de Campaoré", disse o biógrafo de Sankara, Bruno Jaffré, em entrevista à DW. "Os nomes de todos os membros desse esquadrão da morte são conhecidos."

Está ainda por ser publicado o resultado de mais um teste de ADN para provar que o cadáver exumado é o de Thomas Sankara. Até hoje, Campaoré nega qualquer responsabilidade. No Burkina Faso, Campaoré está a ser julgado in absentia pelo assassínio de Sankara.

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