À DW, jurista alemão diz que, entre outras precariedades, as provas apresentadas no Tribunal em Haia pela África do Sul não "traduzem uma intenção" do Estado de Israel "de apagar a existência de um povo".
No entanto, em entrevista à DW, o especialista em direito internacional André Thomashausen, afirma que a fragilidade das provas materiais, por parte da África do Sul, pode levar o país a não sair vitorioso neste processo.
André Thomashausen entende que, na audição da semana passada, Pretória não soube sustentar a sua acusação e frisa que a decisão do tribunal é "final", "não havendo recurso".
"A meu ver, a África do Sul não vai conseguir obter as medidas interinas que pediu", diz.
DW África: Que factos concretos o levam a considerar que a África do Sul não soube sustentar a sua acusação contra Israel em Tribunal?
André Thomashausen (AT):Acho que pela pressa com que preparou essa petição, a África do Sul baseia a sua acusação em reportagens, em coisas que foram transmitidas pelos vários media, e não tem provas diretas. E além disso, faz repetidamente referências a afirmações de muita gente em Israel, incluindo uma reformada com 95 anos de idade, outros particulares, gente que não fala por conta do Estado de Israel. Em direito internacional público, um Estado exprime a sua vontade pelas afirmações do Presidente ou do Primeiro-Ministro ou do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
DW África: Está a falar de fragilidade de provas materiais…
AT: Sim, para convencer o tribunal a tomar algumas medidas, mesmo interinas, tem que convencer os juízes de que existe a prática genocida ou que existe o perigo de uma prática de genocídio. E o genocídio pela Convenção sobre o Genocídio está definido como o cometimento dos mais graves crimes com a intenção de apagar a existência de um povo. É aqui que está o problema da prova, porque mesmo as afirmações das várias pessoas, privados, gente ligada aos media ou mesmo de alguns ministros no Governo em Israel, não se traduzem na formação de uma intenção do Estado de Israel. Afirmações de um de ministro da Cultura não tem relevância nas relações internacionais entre os Estados.
Porque é que a África do Sul está a processar Israel?
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DW África: Como se conseguiu provar no caso de Ruanda que se tratou de um genocídio?
AT: No caso do Ruanda foi muito simples, porque o Governo do Ruanda, pelos seus responsáveis internacionalmente, anunciou que a minoria tutsi, que eles caracterizaram como "baratas”, deveria ser morta, e fizeram um apelo à população e a todas as forças da polícia e defesa de que deveriam matar todas as baratas que encontrassem. Portanto, houve uma declaração direta e inequívoca de que um povo e uma etnia deveria ser destruída, e de facto mataram um milhão de tutsis.
DW África: Qual deveria ser, na sua opinião, a abordagem acertada da África do Sul na próxima etapa deste caso?
AT: Não há próxima etapa, não há recurso, é uma decisão final. A meu ver, a África do Sul não vai conseguir obter as medidas interinas que pediu, porque fez representações manipulativas em tribunal, e porque falhou num outro ponto muito grave que foi não comunicar com Israel antes de levantar esta queixa.
A única coisa que a África do Sul poderá fazer é tentar conseguir o seu objetivo de fazer algo de ativo neste conflito em Gaza, na Palestina, é de aproximar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e tentar convencer os seus membros de que a paz e segurança internacional estão em perigo, devido a essa situação em Gaza, e que por isso devia haver uma ação de intervenção humanitária das Nações Unidas, com um dispositivo militar composto por vários países, para por termo ao uso da força nessa província do Estado palestiniano.
Neste caso, é relevante que o Estado afetado, que é a Palestina, e que é reconhecido como Estado hoje em dia, não faz parte desta ação, e não se sabe se iria apoiar uma iniciativa da África do Sul no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.