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Tomada de posse em Angola: Crónica de um caos anunciado?

António Cascais
14 de setembro de 2022

Cresce a tensão em Angola antes da tomada de posse de João Lourenço. A oposição e uma boa parte da sociedade civil não aceitam os resultados eleitorais e anunciaram protestos. O Estado mobilizou a polícia e o exército.

Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters

Membros da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) podem ser vistos um pouco por todo o lado. As suas carrinhas têm percorrido a capital Luanda e a maioria das grandes cidades angolanas. E sobretudo nas ruas secundárias, veem-se também milhares de agentes da polícia com equipamento pesado, muitas vezes acompanhados por cães. O exército angolano também anda pelas ruas em camiões militares. Soldados patrulham zonas residenciais, especialmente nos arredores de Luanda.

Contra quem se defende o regime? "Um povo desarmado?" pergunta Ginga Savimbi, membro da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição, e filha do fundador do partido, Jonas Savimbi.

O poder estatal angolano parece estar preocupado com a "segurança", na véspera da cerimónia de tomada de posse do Presidente reeleito, João Lourenço, na quinta-feira (15.09). Nada deve ser deixado ao acaso nesse dia. Numa nota da liderança do exército angolano a que a DW teve acesso, o chefe do estado-maior da Força Aérea anuncia mesmo "o encerramento temporário do espaço aéreo angolano" para a tomada de posse do chefe de Estado.

Receio de caos no dia da investidura

O líder do maior partido da oposição, Adalberto Costa Júnior, e a UNITA acreditam que as medidas de segurança são excessivas e apelaram à população para que mantenha a calma. Exortou a polícia e o exército a não agir contra a sociedade civil indefesa.

"Não é essa Angola que sonhamos", escreve Ginga Savimbi no Twitter. "Aquele que supostamente perdeu as eleições, pede calma e serenidade a todos e aquele que supostamente venceu as eleições, ao invés de simplesmente comemorar, coloca todo o exército nas ruas para intimidar e reprimir um povo desarmado", critica.

Oposição diz que resultados foram manipulados

Segundo fontes oficiais, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que está no poder desde a independência do país em 1975, voltou mais uma vez a ser o partido mais forte nas eleições. E João Lourenço foi automaticamente eleito chefe de Estado.

De acordo com ata de apuramento final das eleições gerais de 24 de agosto divulgada pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o MPLA conseguiu 124 assentos parlamentares, cerca de 51% dos votos, a nível nacional. Ainda segundo os resultados oficiais, a UNITA, o maior partido da oposição, alcançou cerca de 44% dos votos e 90 assentos parlamentares, quase o dobro das eleições de 2017, mas não conseguiu atingir o objetivo de se tornar a força mais forte no Parlamento.

Um resultado que quase todos os partidos da oposição consideram ter sido falsificado, já que o apoio a Adalberto Costa Júnior durante a campanha eleitoral foi mais do que notório e o desejo de uma mudança política, especialmente entre os jovens das cidades, também foi demasiado visível.

Vários grupos da sociedade civil e a própria UNITA realizaram contagens paralelas em grande escala, que conduzira a resultados completamente diferentes, diz Alexia Gamito, coordenadora do Movimento Cívico Mudei, um dos grupos da sociedade civil que realizou uma contagem paralela dos votos.

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35:05

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Protestos contra CNE e queixas no TC

Desde o início, os vários grupos da sociedade civil protestaram contra os resultados anunciados pela CNE. E dois partidos da oposição - UNITA e Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) - optaram pela via legal e apresentaram queixas junto do Tribunal Constitucional (TC) de Angola.

O objetivo era comparar os resultados eleitorais da CNE com os da oposição e determinar quais correspondiam aos resultados eleitorais reais em cada uma das mesas de voto, justificaram os partidos da oposição. Em vão: o TC considerou as queixas dos partidos da oposição infundadas e rejeitou os pedidos de recontagem a 7 de setembro.

Membros do Tribunal Constitucional de AngolaFoto: B. Ndomba/DW

Um veredicto que já era de esperar, tendo em conta o equilíbrio de poder em Angola, que está cimentado há décadas, como lembrou o analista político Carlos Rosado de Carvalho em entrevista à DW: "As queixas constitucionais, aqui em Angola, nunca levaram a nada. No final do dia, prevalece sempre a opinião do MPLA".

A comissão eleitoral, por exemplo, é controlada pelo MPLA. Os juízes do Constitucional são também nomeados pelo partido no poder, explica Rosado de Carvalho. "A juíza presidente do Tribunal Constitucional foi diretamente nomeada para o cargo pelo MPLA. O vice-presidente do TC é um ex-ministro da justiça do Governo do MPLA. O Governo nomeia quatro juízes constitucionais, o Parlamento nomeia também quatro juízes, embora até agora três tenham sido nomeados pelo MPLA e apenas um pela UNITA, pelo que o MPLA nomeia pelo menos 7 de um total de 11 juízes constitucionais". Portanto, conclui o analista, a decisão do TC a favor do Governo já era de esperar.

Instâncias internacionais podem ajudar?

A única opção que resta é recorrer aos tribunais internacionais, diz ainda Rosado de Carvalho. Ao mesmo tempo, considera que são poucas as hipóteses de sucesso, já que, nas últimas eleições, houve protestos em Angola "e então a UNITA apareceu e anunciou que iria apelar às autoridades internacionais. Um déjà vu. Mas isso também não conduziu a quaisquer resultados tangíveis", recorda.

Os tribunais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, só "julgam processos constantes do Estatuto de Roma, que são os crimes de guerra, genocídios e agressões graves", acrescenta o jurista angolano Serrote Simão Hebo em entrevista à DW. A fraude eleitoral ou outras irregularidades nas eleições não são de modo algum da jurisdição do TPI, lembra o especialista.

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Felicitações internacionais apesar dos protestos

Muitos chefes de Estado estrangeiros já felicitaram João Lourenço e o MPLA pela vitória eleitoral, sobretudo os EUA e a China, mas também vários Estados da União Europeia (UE), como a antiga potência colonial Portugal, além da Rússia.

Os observadores citam várias razões para o crescente apoio político de João Lourenço por parte da comunidade internacional: o país é visto como garante do direito internacional devido ao seu empenho em pacificar o conflito na região dos Grandes Lagos nos últimos anos. Sob o reinado de João Lourenço, Angola também alcançou progressos significativos na luta contra o branqueamento de capitais e o terrorismo internacional. Além disso, como maior produtor de petróleo bruto de África, o país é considerado um parceiro económico a não negligenciar na região.     

No entanto, a UNITA pediu à "comunidade nacional e internacional" que não reconheça os resultados oficiais das eleições de 24 de agosto, que a seu ver "não refletem os desejos da maioria dos eleitores". O maior partido da oposição apelou também às forças de defesa e segurança de Angola para que se abstenham do uso de força contra os cidadãos que pretendam manifestar-se no dia da tomada de João Lourenço.

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