TPI inicia julgamento do jihadista maliano Al-Hassan
António Cascais | Daniel Pelz | tms
14 de julho de 2020
O Tribunal Penal Internacional, em Haia, começa a julgar Al-Hassan Mahmoud, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade no Mali. Segundo o TPI, o jihadista comandou diversos ataques na cidade histórica de Timbuktu.
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Al-Hassan Ag Abdoul Aziz Ag Mohamed Ag Mahmoud e o seu grupo jihadista aterrorizaram a cidade de Timbuktu entre 2012 e 2013. Diz-se que a crueldade dos agressores foi particularmente dirigida contra as mulheres.
Al-Hassan foi detido no Mali em 2018 e transferido para o TPI. Nesse ano, a procuradora Fatou Bensouda acusou o jihadista de "crimes contra a humanidade e crimes de guerra".
Com base nas provas reunidas, disse na altura, "Al-Hassan é alegadamente responsável pelos crimes contra a humanidade de perseguição por motivos religiosos e de género, violação e escravidão sexual cometidas no contexto de casamentos forçados, tortura e outros atos desumanos causando intencionalmente grande sofrimento ou ferimentos graves ao corpo ou à saúde mental ou física."
Durante a investigação, "continuamos a pensar nas vítimas e esforçamo-nos para fazer tudo o que pudermos para que alcancem a justiça que merecem. Também acredito que o combate à impunidade contribui positivamente para promover a paz, a segurança e a estabilidade na sociedade. Essa também é minha esperança para o Mali", acrescentou Fatou Bensouda.
Durante o julgamento no TPI deverão ser esclarecidas algumas questões. Ainda não está claro qual era o nível de autoridade do suposto chefe do grupo que agia em Timbuktu e também se os crimes de que Al-Hassan é acusado terão sido levados a cabo após ordens superiores.
Que grau de poder tinha Al-Hassan?
Thomas Schiller, diretor da Fundação Konrad Adenauer em Bamako, capital do Mali, Bamako, acredita que Al-Hassan terá tido um papel proeminente na hierarquia dos islamistas, mas que se limitou essencialmente à cidade de Timbuktu.
No entanto, segundo as informações disponíveis, "ele não era uma figura proeminente das forças islamistas em geral e, certamente, não era um dos principais atores nas conquistas da época realizadas pelos islamistas", acrescenta Schiller.
Timbuktu, localizada a cerca de mil quilémetros ao norte de Bamako, nos limites do Saara, também é chamada "Pérola do Deserto" e é Património Mundial desde 1988.
Em 2012, combatentes de uma aliança entre vários grupos islâmicos, incluindo a Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI) e o Ansar Dine, assumiram o controlo de grandes áreas no norte do Mali e também conquistaram a cidade de Timbuktu, destruindo a cultura deste local histórico.
Acredita-se também que Al-Hassan esteja envolvido nessa destruição. Em janeiro de 2013, meses após a ocupação da cidade, soldados malianos e franceses libertaram Timbuktu dos jihadistas.
Al-Hassan é o segundo islamita do Mali a ser julgado em Haia. Em 2016, o TPI condenou Ahmad al-Faqi al-Mahdi a nove anos de prisão pela destruição de locais do Património Mundial, que o tribunal considerou como crimes de guerra. Al-Mahdi, um dos líderes da milícia islâmica tuaregue Ansar Dine, confessou os crimes e pediu perdão.
Conservar os manuscritos de Tombuctu
A invasão islamita no norte do Mali pôs em risco de destruição milhares de documentos históricos. Estes foram salvos por Abdel Kader Haidara, feito pelo qual a Alemanha lhe outorgou o Prémio de África na edição de 2014.
Foto: DW/P. Breu
Tesouros históricos
Os manuscritos de Tombuctu são documentos históricos sem preço, que relatam a busca pelo conhecimento no mundo islâmico há muitos séculos. Tombuctu foi, em tempos, o centro islâmico da pesquisa e erudição em África.
Foto: DW/P. Breu
Contrabandeados em caixas de chumbo
Quando os islamitas começaram a destruir monumentos no norte do Mali em 2012, um grupo de cidadãos consternados transportou clandestinamente centenas de milhares de manuscritos de Tombuctu para a capital maliana, Bamako, no sul do país. Aqui foram depositados num edifício de residências, para aguardar a restauração e digitalização.
Foto: DW/P. Breu
O salvador dos manuscritos
Abdel Kader Haidara organizou a operação de resgate. O proprietário de uma biblioteca não só se preocupou em salvar os seus próprios manuscritos, mas também todos os documentos históricos de Tombuctu em risco de destruição.
Foto: DW/P. Breu
Nasce uma biblioteca digital
Os manuscritos estão agora a ser digitalizados na biblioteca de Bamako. Cada página é fotografada individualmente. A imagem é controlada e depois catalogada num arquivo central. O gigante da internet, Google, já manifestou interesse na coleção.
Foto: DW/P. Breu
Acesso geral aos manuscritos
A digitalização tem dois objetivos: preservar os manuscritos para a posteridade, caso os originais não resistam à humidade e ao calor de Bamako. E garantir o acesso a todos os interessados. Antes do conflito armado no norte e do resgate dos documentos não existia qualquer plano para os digitalizar.
Foto: DW/P. Breu
Caixas feitas à medida
Depois de serem digitalizados, os manuscritos são colocados em caixas de cartão isentas de ácidos. Aqui podem ser guardados para a posteridade. Uma vez que os manuscritos não têm todos o mesmo tamanho, as caixas tiveram que ser produzidas em trabalho manual.
Foto: DW/P. Breu
Uma biblioteca vazia
Na Biblioteca Comemorativa de Mamma Haidara, em Tombuctu, não há um único livro. E não é certo que a biblioteca volte a albergar documentos históricos no futuro. Muitos responsáveis acreditam que os documentos estão a salvo em Bamako. Mas também há quem receie pela identidade histórico-cultural de Tombuctu, caso os manuscritos não regressem a casa.
Foto: DW/P. Breu
Biblioteca em ruínas
O Instituto Ahmed Baba Institute foi criado com capitais da Fundação Aga Khan, África do Sul e Arábia Saudita. Para além de albergar a biblioteca, também tinha equipamento para a digitalização e restauração. Hoje, o instituto está vazio e dilapidado.
Foto: DW/P. Breu
Monumento aos manuscritos perdidos
Quando chegaram a Tombuctu, os islamitas deitaram fogo a muitos manuscritos no pátio do Instituto Ahmed Baba. Pretendiam assim demonstrar o seu poder ao ocidente e à UNESCO. Cerca de 4000 manuscritos foram destruídos. Os restos queimados servem hoje de memorial ao património perdido.
Foto: DW/P. Breu
Tombuctu vai cair na insignificância?
Quando Tombuctu perdeu a sua importância económica no século XX, descobriu o turismo como fonte de receitas alternativa. Mas o conflito de 2012 espantou os turistas, pelo que Tombuctu corre agora o perigo de perder também a sua relevância cultural, tanto mais que já não tem os manuscritos. E ninguém sabe se eles vão regressar.
Foto: DW/P. Breu
Sobram alguns manuscritos
Ainda existem algumas bibliotecas privadas. Mas em Timbuktu já é considerada uma biblioteca uma dúzia de páginas que cabem numa pele de carneiro. Este habitante de Timbuktu herdou alguns manuscritos do seu avô. É o que possui de mais valioso.
Foto: DW/P. Breu
Um futuro incerto
A situação política no Mali é tensa, e o exército maliano é demasiado fraco para garantir a estabilidade e segurança. Muitos habitantes de Tombuctu que fugiram da cidade optaram por não regressar. Eles não confiam na paz precária e a sua cidade enfrenta um futuro incerto.