TPI vai investigar crimes contra a humanidade no Burundi
Blaise Dariustone | DPA | AP | AFP | tms
10 de novembro de 2017
Tribunal Penal Internacional autorizou esta quinta-feira (09.11) a abertura de uma investigação a alegados crimes contra a humanidade levados a cabo desde abril de 2015 por agentes do Estado no Burundi.
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Segundo o Tribunal Penal Internacional (TPI), os crimes cometidos pelas autoridades burundesas incluem assassinatos, violações e tortura. O Burundi retirou-se da instituição em outubro deste ano, mas as autoridades judiciais garantem que o país poderá ser punido caso as investigações comprovem as acusações.
Os juízes do TPI afirmam que as provas fornecidas pelos promotores oferecem "uma base razoável para proceder a uma investigação" aos crimes cometidos desde 26 de abril de 2015, alegadamente por "agentes do Estado e outros grupos que implementam as políticas do país".
Ataques deliberados contra civis
"Existe uma base razoável para acreditar que os membros das forças de segurança do Burundi, bem como os membros da Imbonerakure, a ala da juventude do partido no poder, agindo de acordo com uma política do Estado, realizaram um ataque deliberado contra os civis, implicando múltiplos atos de homicídio, prisão, tortura, violação e outras formas de violência sexual, desaparecimento forçado e perseguição, constituindo crimes contra a humanidade", especifica a procuradora do TPI Fatou Bensouda.
O Burundi está mergulhado numa crise violenta desde 2015, quando o Presidente Pierre Nkurunziza anunciou a intenção de concorrer a um terceiro mandato que viria a vencer na controversa eleição boicotada pela oposição, em julho desse ano.
"De acordo com estimativas, pelo menos 1200 pessoas foram supostamente mortas, outras milhares detidas ilegalmente, enquanto outras foram alegadamente torturadas ou estão desaparecidas", afirmou o tribunal em comunicado. "Os supostos atos de violência resultaram no deslocamento de mais de 400 mil pessoas entre abril de 2015 e maio de 2017".
Segundo a procuradora Fatou Bensouda, as vítimas destes crimes são alegadamente membros da oposição e cidadãos que se manifestaram contra o Governo.
"Trata-se de uma campanha contra civis que se opuseram ou se opõem ao partido no poder: manifestantes contra o terceiro mandato do Presidente Nkurunziza e manifestantes suspeitos, membros dos partidos políticos da oposição, da sociedade civil, jornalistas”.
Saída do TPI não trava investigações
10.11.17 - Atualidade TPI Burundi - MP3-Stereo
O Burundi foi o primeiro país a retirar-se do TPI. A decisão foi oficializada a 27 de outubro, mas o país ainda está sujeito ao julgamento da instituição. como explica o porta-voz do tribunal, Fadi El Abdallah.
"Os crimes cometidos até 26 de outubro de 2017 estão sob a jurisdição do TPI. O tribunal pode exercer a sua jurisdição sem que a retirada de Burundi afete essa possibilidade", explica o porta-voz do tribunal Fadi El Abdallah, acrescentando que "a decisão foi tomada antes da retirada do Burundi do TPI, a 27 de outubro". Em termos legais, o Burundi tem a obrigação de cooperar com o TPI", conclui.
No país, no entanto, nem todos têm esta percepção. "Não nos preocupamos com o TPI. Isto já não nos diz respeito", sublinhou o embaixador do Burundi nas Nações Unidas, Albert Shingiro. Entretanto, o Governo anunciou através do seu porta-voz que o país não colaboraria com as investigações do TPI.
A Human Rights Watch (HRW) saudou a decisão do TPI de avançar com as investigações, frisando "que a retirada do Burundi do tribunal não protege o Governo do escrutínio sobre seu papel em graves violações dos direitos humanos".
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.