Tráfico de heroína do Afeganistão para Europa, através da África austral e oriental, dá sinais de aumentar e Moçambique é um dos principais corredores, diz relatório do projeto Enact, financiado pela União Europeia.
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"Desde 2010, várias apreensões de heroína" pela parceria naval de 32 países no oceano Índico "confirmam que a costa leste africana está a desempenhar um papel significativo no tráfico de heroína", referem os autores do estudo intitulado "A Costa da Heroína". A dificuldade em fazer passar a droga pela Ásia central e Europa de Leste tem feito crescer o tráfico pela chamada "rota austral", acrescenta o documento divulgado esta segunda-feira (02.07).
A droga entra pela costa do Índico e segue depois por estrada para a África do Sul, a partir de onde é enviada para vários mercados, mas sobretudo para a Europa.
"Em Moçambique, os traficantes de droga consolidaram o seu domínio sobre o mercado" dentro do país, numa relação de longa data, "com elementos ligados à elite política", lê-se no documento do projeto Enact. No entanto, o relatório admite que durante o mandato do atual Presidente, Filipe Nyusi, alguns traficantes tenham perdido influência e que se possa assistir a uma reconfiguração do negócio.
Depoimentos recolhidos em Cabo Delgado
O documento cita depoimentos recolhidos em Cabo Delgado segundo os quais um grupo armado de alegada inspiração islâmica, que tem atacado locais remotos da aldeia desde outubro, estará a tentar entrar no tráfico de droga - embora no de cannabis.
Num outro documento lançado em abril, Simone Haysom, coautora do relatório hoje lançado, já havia referido que alguns grupos marginalizados em Cabo Delgado "têm visto ao longo dos anos como a fronteira e os portos são permeáveis a todos os tipos de contrabando" e podem querer uma parte do bolo.
O relatório desta segunda-feira aponta que outro dos fenómenos recentes detetados em Moçambique "é o surgimento de novos grupos estrangeiros, mais pequenos, controlados à distância", que podem ser o resultado da luta contra traficantes na Tanzânia e das apreensões ao largo da costa do Quénia - empurrando-os para sul.Nestes grupos, "o movimento de drogas é feito por pessoas contratadas e pagas por trabalhos específicos, geralmente atribuídos por telefone, WhatsApp ou em Blackberry, que são criptografados", refere o documento.
Práticas institucionalizadas
Os autores referem ainda que, a partir das entrevistas realizadas, concluíram haver práticas institucionalizadas em Moçambique para ocultar apreensões de drogas pesadas e procedimentos para determinados contentores escaparem a sistemas de inspeção.
O relatório não consegue chegar a números próximos do tráfico anual de heroína no país, fazendo uma estimativa alargada, que se situa entre 10 a 40 toneladas.
A droga entra no país pelo norte - "paraíso dos contrabandistas", refere -, onde é largada por pequenas embarcações em praias ou entra por portos e cais de menor dimensão, mas também em contentores pelo porto de Nacala, um dos maiores e mais modernos do país, que o relatório diz ser controlado por redes criminosas.Há ainda droga que entra por terra, pela fronteira porosa com a Tanzânia, tal como entram também pequenos traficantes tanzanianos e de outros países a norte. Dali em diante, a heroína segue por estrada para a África do Sul, escondida nos motores de carros ou ocultada de outras formas.
Heroína para mercado europeu
A maior parte da heroína que passa pelo Oriente e África Austral está a caminho dos mercados na Europa, "que são muito mais rentáveis do que os mercados africanos". Por exemplo, um grama de heroína custa cerca de 20 dólares no Quénia, mas no Reino Unido custa cerca de 60 e na Dinamarca chega aos 213, refere o estudo.
Os avultados recursos financeiros dos barões da droga conseguem facilmente comprar políticos e autoridades frágeis, notam os autores, numa história que remonta a períodos de transformação que se seguiram à década de 1980 - em que o poder precisou de capital para financiar campanhas e projetos face ao multipartidarismo e economias em abertura.
O projeto Enact, sigla inglesa para "Melhorar a Resposta de África ao Crime Organizado Transnacional", é implementado pelo Instituto de Estudos de Segurança e Interpol e conta com a participação da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional.
Portugal destaca-se no combate à droga
País europeu conseguiu reduzir o consumo de estupefacientes e tem-se tornado uma referência sem declarar guerra contra as drogas, mas adotando medidas como a descriminalização e o envolvimento de grupos de ajuda.
Foto: DW/J. Carlos
De "berço da droga" para a mudança
Há cerca de 15 anos, o bairro do Intendente, em Lisboa, era uma espécie de "berço da droga", depois do desmantelamento do mal afamado Casal Ventoso, em Campolide. A requalificação das ruas e das praças parece ter dado mais garantia de segurança aos que circulam pelo bairro da freguesia de Arroios.
Foto: DW/J. Carlos
Praças renovadas e humanizadas
Quem circula pela Rua do Benformoso ou atravessa a Praça do Intendente, já não sente o clima tão tenso e de insegurança de outrora, em que o uso indiscriminado de droga ao ar livre partilhava espaço com a prostituição, predominantemente praticada por mulheres africanas. Este era um dos becos onde se acomodavam os toxicodependentes.
Foto: DW/J. Carlos
Arte no lugar da droga
Por iniciativa da autarquia local, a pequena Praça Benformoso, na freguesia de Santa Maria Maior, está mais alegre. A arte urbana vai ocupando alguns destes espaços, conferindo-lhes dignidade como lugar de lazer e de encontros. Com a requalificação, passou a designar-se "Bem Formosa Praça".
Foto: DW/J. Carlos
Luta ainda por vencer
Apesar de não ser uma luta vencida, Portugal é referenciado por ter conseguido reduzir o número de mortes por overdose, sendo um dos níveis mais baixos do mundo. O país é apontado como um exemplo também pelo facto de, ao mesmo tempo, baixar o número de toxicodependentes sem que este combate se transformasse numa guerra, a exemplo do que acontece noutras partes do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Realidade despercebida entre turistas
Alguns moradores e proprietários, entre comerciantes, aplaudem as obras feitas pela Câmara Municipal de Lisboa, bem como as medidas para controlar ou sanear o uso de droga a céu aberto. Apesar de mais segurança e de mais policiamento, o problema ainda persiste, embora de forma menos intensa e visível. De certo modo, a realidade passa despercebida entre os turistas.
Foto: DW/J. Carlos
Assistência médica imediata
No entanto, na Rua dos Anjos, que confina com o Largo do Intendente, ainda são visíveis vestígios da toxicodependência. A DW viu uma cidadã a preparar uma dose de produto para se injetar. Mais ao fundo da rua, uma ambulância prestava assistência a uma das vítimas de overdose, prontamente socorrida pelos serviços de emergência médica.
Foto: DW/J. Carlos
Casal Ventoso reconvertido
Muitos consumidores de droga no Intendente eram originários do antigo Casal Ventoso, onde também subsistem casos de consumo, mas mais controlados pelas instituições competentes. Considerado um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, o reconvertido Casal Ventoso ainda é hoje alvo de intervenções sistemáticas visando reduzir o estigma e o impacto do consumo de droga nos grupos de risco.
Foto: CRESCER
Intervenção comunitária
A CRESCER, associação não-governamental de intervenção comunitária, não tem mãos a medir. Abraça várias valências no que toca à assistência social. Todas as semanas, as respetivas equipas, constituídas por jovens voluntários, estão no terreno para prestar assistência aos casos mais graves. Apoiam pessoas que usam substâncias legais e ilegais ou que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Foto: CRESCER
Criar novas respostas
Apesar dos esforços, que ajudaram a regredir o recurso a substâncias psico-ativas e fazer face à disseminação do HIV/SIDA, "nos últimos anos não se tem criado novas respostas para a problemática da droga", conta o diretor executivo da CRESCER. Américo Nave defende a criação de salas de consumo assistido, como está previsto na lei de 2001, para evitar o consumo a céu aberto.
Foto: DW/J. Carlos
Visibilidade internacional
Desde 2000, as políticas e medidas na área do combate à droga ganharam uma enorme visibilidade no plano internacional. A decisão de descriminalizar o consumo de droga para tratar os toxicodependentes despertou o interesse do Papa Francisco. Tem particular importância o surgimento do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Foto: DW/J. Carlos
Impacto da descriminalização
"As pessoas praticavam furtos para sustentar a sua dependência", afirma João Goulão, diretor geral do SICAD, que destaca o impacto que teve a lei sobre a descriminalização do consumo. Além do drama do HIV/SIDA, Portugal tinha cerca de 100 mil utilizadores problemáticos de cocaína, o equivalente a 1% da população portuguesa.
Foto: DW/J. Carlos
Observatório adverte
Contrariando o otimismo das autoridades, o último relatório do Observatório Europeu sobre a Droga e a Toxicodependêcia (OEDT), com sede em Lisboa, diz que Portugal não merece referência especial pelos resultados alcançados, mas adverte que voltou a aumentar o número de mortes por overdose. De acordo com o relatório, diminuiu o número de infetados por HIV/SIDA.