Tréguas no conflito moçambicano são sinais positivos no processo de paz, diz Calton Cadeado. O especialista em relações internacionais considera que mediadores estão a contribuir para restabelecimento da confiança.
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A primeira trégua entrou em vigor a 28 de dezembro de 2016 e termina nesta quarta-feira (05.01.). O objetivo era proporcionar momentos de paz aos moçambicanos durante a quadra festiva. Entretanto, o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, anunciou nesta terça-feira (03.01.) o prolongamento da trégua, desta vez por dois meses. A DW África entrevistou Calton Cadeado, docente do Instituto Superior de Relações Internacionais em Maputo, sobre o significado das cessações temporárias das hostilidades.
DW África: Com mais esta trégua de dois meses pode-se entender que um contato direto entre os oponentes pode ser mais frutífero?
Calton Cadeado (CC): O contato direto é frutífero por questões políticas, para questões de curto prazo. Mas para questões técnicas e de longo prazo geralmente não se consegue avançar com resultados que possam ser sustentáveis, sempre são de curto prazo e para objetivos políticos de curto prazo.
DW África: No contexto de negociações de paz essas tréguas podem ser consideradas como um sinal positivo com vista ao alcance da paz?
CC: Com certeza, há um lado positivo aqui, que já está a ser salientado pelo próprio chefe de Estado que é o restabelecimento da confiança, principalmente porque este é o mecanismo indireto que está a ser construído sem nenhuma pressão para pôr em marcha um processo de paz que vai durar muito tempo. Mas é salutar e é para a criação de confiança.
DW África: Entretanto, na mesa de diálogo há desentendimento quanto ao tratamento que está a ser dado ao processo de descentralização. Esse ponto poderá precipitar o reterno dos confrontos?
CC: Este é um ponto crucial, parece-me que é a bandeira crucial da RENAMO para satisfazer os seus interesses políticos imediatos. Mas há outros pontos que ainda vão surgir, e quanto a mim, num processo negocial é normal. Mas obviamente há questões militares que vão estar na mesa de negociações, e quanto a mim essas é que pesam mais do que necessariamente os aspetos políticos que estão a ser colocados neste momento. É só reparar que no processo negocial em Roma, para a última parte da negociação. Hoje estamos a ter os mesmos problemas por causa desses mesmos assuntos. Portanto, a questão da descentralização é boa para restabelecer o ponto de confiança. Eu chamo a isto de negociações de confiança. Mas há outros assuntos que vão pesar mais do que necessariamnete a questão da descentralização
DW África: Os mediadores internacionais deixaram Maputo em dezembro sem fazerem o habitual informe sobre os resultados da mediação. Qual é a sua avaliação sobre o papel desta equipa no processo de negociações?
CC: Acho que a mediação serviu para aproximar as partes, pelo menos no que diz respeito a comunicação, este é um aspeto fundamental em processos negociais, a comunicação. Estava a haver ruido na comunicação, estava a ser difícil, e acho que é aí onde há mérito na negociação. Mas do ponto de vista de aproximação de interesses políticos próprios das partes a mediação só serviu, do ponto de vista político, para criar alguma confiança do lado da RENAMO. Quando falamos de negociações em desiquilíbrio de poder, o mediador sempre aparece para dar confiança aquele que tem menos poder, e neste caso parece-me que é a RENAMO, e há muitas evidências disso. Quem está no poder tem a máquina governativa, tem as forças armadas, tem o apoio internacional para o proteger e neste caso a FRELIMO, o Governo e o Estado moçambicano têm o apoio de toda a região austral. E os mediadores tinham de ser um elemento de confiança para dar também um pouco de poder negocial a RENAMO, vindo do teatro de guerra. Então, para a comunicação e para aliviar as tensões foi bom. Mas sob o ponto de vista de avanços de interesses políticos de ambas as partes depende só dos donos do conflito e esses é que têm de fazer a negociação avançar e levar o caso a bom porto, que é a paz. Mas é de aceitar, porque estamos a falar de uma negociação que é político-militar.
04.01.17. Tréguas Avanços Moç. - MP3-Mono
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.