Trabalho dos jornalistas africanos é cada vez mais perigoso
Kate Hairsine
23 de dezembro de 2021
Em 2021, a liberdade de imprensa no continente africano recuou devido ao crescente autoritarismo e à insegurança, especialmente na África Oriental, a região mais hostil para jornalistas.
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No seu balanço anual sobre os abusos contra jornalistas divulgado este mês, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) alerta para o número crescente de comunicadores detidos em todo o mundo - e África não é exceção.
"Assistimos a um número crescente de jornalistas presos. Mais de uma centena destes foram detidos arbitrariamente ao longo do último ano na África subsaariana. Só na última semana, quando divulgamos o relatório, 26 jornalistas foram detidos. A maioria dos casos acontece na Eritréia, Camarões, Benim, Etiópia, Nigéria, Uganda e Sudão", refere Arnaud Froger, membro da referida organização.
A instabilidade política, tal como os golpes de Estado de 2021 no Sudão, Mali, Guiné e Chade, levou a uma repressão generalizada dos trabalhadores dos meios de comunicação social.
Os jornalistas estão também a ser alvo tanto de governos como de grupos armados que procuram controlar o fluxo de informação em regiões devastadas pela violência e pelo conflito, tais como os Camarões, o Sahel, o Congo, a Etiópia e a Somália.
O perigo de ser jornalista na África Oriental
Mas os três países africanos que mais detiveram jornalistas em 2021 foram nomeadamente Eritreia, Ruanda e Etiópia, todos na África Oriental.
A Eritreia chegou mesmo a bater a Coreia do Norte, ocupando este ano o último lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras.
O Presidente eritreu, Isaias Afwerki, proibiu todos os meios de comunicação independentes em 2001.
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Retrocessos na Etiópia
A Etiópia, particularmente, tem sido criticada por organizações de direitos humanos e pela ONU por causa da repressão à imprensa na guerra em curso entre as forças federais e os combatentes de Tigray e Oromo.
Segundo Arnaud Froger, "a única coisa que os jornalistas podem relatar são os números e narrativas oficiais das autoridades".
Moçambique: Liberdade de imprensa em perigo
03:23
Na semana passada, três jornalistas foram acusados de "promover o terrorismo" após entrevistar membros do Exército de Libertação de Oromo, designado grupo terrorista pelo Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed.
Um decreto introduzido em novembro pelo Governo etíope proíbe o uso plataformas mediáticas para apoiar os considerados terroristas. Proíbe também a distribuição de informações sobre movimentos militares, a menos que sejam publicadas pelo Governo.
"Se fores ao outro lado do campo de batalha, como jornalista estrangeiro, pode ser preso ou deportado. O jornalismo independente não é permitido. Por causa da guerra civil, a situação piorou muito ao longo do último ano na Etiópia", destaca o especialista.
Impunidade na Somália
Dois jornalistas foram mortos este ano na Somália, elevando para mais de 50 o número de repórteres mortos no país desde 2010.
A Somália também é o pior país do mundo para resclarecer assassinatos de jornalistas, de acordo com o Comité para a Protecção dos Jornalistas do Índice Global de Impunidade 2021.
Os profissionais também enfrentam muita violência de grupos extremistas como o Al-Shabab.
Gana em queda
Já o Gana desceu o Índice de Liberdade de Imprensa da posição 22º, em 2015, para 30º este ano, com relatos crescentes de tortura e abuso de jornalistas nas mãos de agências de segurança.
Para o jornalista investigativo ganense Manasseh Azure, o ambiente no seu país se tornou mais "opressivo" desde que o Presidente Nana Akufo-Addo foi eleito em 2016.
Um exemplo é o caso do repórter de investigação Ahmed Suale, que foi morto a tiro em 2019, em plena luz do dia, na capital, Acra, poucos meses depois de um membro do Parlamento ter apelado aos seus apoiantes que atacassem jornalista.
Mas a situação não impede que alguns continuem a investigar a corrupção e a lutar pela justiça no continente africano. Azure, por exemplo, já teve de deixar o Gana duas vezes nos últimos anos devido a ameaças de morte contra ele. Mesmo assim, não desiste do seu trabalho.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.