Tribunal absolve IURD por morte de fiéis em Angola
8 de dezembro de 2015 O Tribunal Provincial de Luanda absolveu os seis líderes e responsáveis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola da acusação de dez crimes de homicídio voluntário na denominada vigília "Dia do Fim", em 2012. O tribunal considerou que não reuniu "elementos suficientes para afirmar com juízo de certeza" que os réus terão cometido os crimes de que eram acusados. O Ministério Público angolano, que promoveu a acusação, já anunciou que vai recorrer da decisão.
O caso refere-se a um culto da IURD que levou dezenas de milhares de pessoas a concentrarem-se no interior e exterior do Estádio da Cidadela, na capital angolana, ultrapassando largamente a lotação do recinto. 10 pessoas morreram por asfixia e esmagamento. 120 ficaram feridas.
A IURD foi alvo de anunciadas fiscalizações pela Procuradoria-Geral da República (PGR), dos ministérios do Interior, da Justiça e Direitos Humanos e da Cultura de Angola. Entre fevereiro e março de 2013, o Governo angolano ordenou a suspensão das actividades da igreja.
Sobre o caso, a DW África entrevistou o analista angolano Nelson Pestana, que condena a intervenção política neste processo.
DW África: Como avalia a decisão do Tribunal Provincial de Luanda, de absolver os responsáveis da IURD?
Nelson Pestana (NP): Para mim não foi nenhuma surpresa, na medida em que esse processo está inquinado desde o princípio e também porque há uma ofensiva da parte do poder político em relação à justiça, de controlo da justiça. A maior parte dos processos está controlada pelo poder político. Este processo começou inquinado porque, perante aquelas mortes que houve, o Presidente da República fez imediatamente justiça, substituindo os tribunais. Condenou a IURD a uma abstinência, a um silêncio, e proibiu-a de exercer o seu direito à liberdade religiosa e de culto no interior das igrejas. Nessa altura denunciei isso, disse que era uma violação grosseira da Constituição, dos direitos humanos fundamentais dos cidadãos, e até do princípio da separação de poderes.
Depois, vimos que só foram levados a tribunal os pastores. Outras pessoas que as evidências revelavam que poderiam ter responsabilidades naquilo que aconteceu não foram levadas a tribunal. O raciocínio é simples: como a IURD já tinha sido castigada – e entretanto deve ter havido retratações, porque a direcção da IURD não quis lutar pelos seus direitos, conformou-se, aceitou aquela violência – o desfecho conduzia-se para a absolvição dos pastores, tendo como únicos culpados neste processo os próprios mortos. Foi o que foi dito, por outras palavras, nesta sentença.
DW África: Considera então que os réus deveriam ser outros?
NP: Provavelmente aqueles poderiam também lá estar. Mas acho que a polícia também tem responsabilidades, o gerente do espaço tem responsabilidades, o director do complexo tem responsabilidades. Há outras responsabilidades que deveriam ter sido apuradas.
DW África: E para as vítimas e os familiares das vítimas, que consequências traz esta decisão do tribunal?
NP: As pessoas deixarem de acreditar na justiça, em princípio, e um sentimento de impotência, de que só os poderosos é que estão protegidos e que são intocáveis. Vão ver nesta decisão uma cumplicidade do poder com a hierarquia da própria IURD e governantes ou dirigentes do país que pudessem estar implicados – pelo menos em termos de responsabilidade – e que foram claramente protegidos pela maneira como se conduziu o processo. O sentimento entre os cidadãos é um desacreditar total na nossa justiça e um sentimento de impotência. Por outro lado, a leitura de que os poderosos gozam de uma impunidade sem limites.
DW África: Entretanto, o Ministério Público anunciou que vai recorrer da decisão do Tribunal Provincial de Luanda. Como é que acha que vai prosseguir este caso?
NP: É uma boa decisão recorrer, até porque o Ministério Público tem essa obrigação. Vamos ver qual será a decisão do Tribunal de Recurso, mas, em princípio, se o ambiente que estamos a viver actualmente na relação entre a justiça e o poder político continuar a ser o mesmo, não vai haver surpresas: o tribunal vai reafirmar a absolvição. Pode ser até que não tenha condições técnicas para fazer de outra maneira, porque o processo pode estar a ser conduzido no sentido de se chegar a um beco sem saída, de estarem perante os juízes as pessoas que não deveriam lá estar e, por isso, os juízes não podem condenar, só podem absolver. Não estou a pôr em causa tecnicamente o julgamento, mas sim o processo no seu conjunto e a maneira como a Presidência da República tomou conta deste processo desde o início e fez justiça pelas suas próprias mãos.