Tribunal Constitucional do Burundi valida referendo polémico
Lusa | ms
31 de maio de 2018
O Tribunal Constitucional do Burundi validou esta quarta-feira os resultados do referendo de dia 17, que abre portas para que o Presidente Nkurunziza se mantenha no poder mais 16 anos, contrariando o pedido da oposição.
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Os resultados comunicados pela Comissão Eleitoral indicam que 73,2% dos eleitores aprovam uma reforma da Constituição que permite nomeadamente que o Presidente, Pierre Nkurunziza, permaneça no cargo até pelo menos 2034.
"O Tribunal Constitucional decidiu que o referendo de 17 de maio decorreu conforme a lei", anunciou o presidente do órgão, Charles Ndayiragije, depois de ter declarado "infundado" o pedido de declaração de nulidade por parte da coligação de oposição, apresentado na semana passada.
Mesmo antes do anúncio dos resultados do polémico referendo, os defensores do "não" no referendo, liderados pelo antigo líder rebelde hutu Agathon Rwasa, rejeitaram a consulta que consideraram injusta e marcada por intimidações do regime.
Louis Rwagasore foi um símbolo de união no Burundi
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A oposição também falou de casos de enchimento de urnas e de adulteração dos resultados, tendo interposto recurso junto do Tribunal Constitucional, ainda que sem possibilidade de sucesso já que o Tribunal é desde 2015 controlado pelo poder.
A nova Constituição vai permitir ao Presidente, no poder desde 2005, concorrer a dois novos mandatos de sete anos a partir de 2020, além de concentrar no Presidente todos os níveis do poder executivo.
Grave crise política
O Burundi está mergulhado numa grave crise política desde o anúncio da polémica candidatura de Nkurunziza a um terceiro mandato, em abril de 2015. Situações de violência desde então já provocaram pelo menos 1.200 mortos e mais de 400 mil refugiados (entre abril de 2015 e maio de 2017), segundo estimativas do Tribunal Penal Internacional.
Considerado pela comunidade internacional como um "referendo à porta fechada", a votação não foi alvo de qualquer missão de observação eleitoral, como as da ONU, da União Africana (UA), da União Europeia (UE) e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEAAC), bem como da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), Amnistia Internacional (AI) e Human Rights Watch (HRW), entre muitas outras.
Pierre Nkurunziza é mais um chefe de Estado africano a optar por alterações constitucionais ou a recorrer a outros meios para se manterem no poder, seguindo o exemplo de Yoweri Museveni, Presidente do vizinho Uganda desde 1986, que poderá manter-se no cargo até 2031, depois de mudar a Carta Magna do país.
Também Joseph Kabila, Presidente da República Democrática do Congo (RDC) desde janeiro de 2001, tem conseguido ludibriar o facto de ter terminado o segundo mandato constitucionalmente permitido através do adiamento sucessivo das eleições, remarcadas desta vez para dezembro deste ano.
Burundi: Cronologia de uma longa crise
Os burundeses vão esta quinta-feira às urnas para um referendo contestado, que poderá permitir que o Presidente Nkurunziza fique no poder até 2034. Uma pretensão que resultou numa crise política que já dura há três anos.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Clima tenso na véspera do referendo
A 17 de maio de 2018, os burundeses vão às urnas para decidir se o Presidente Pierre Nkurunziza poderá permanecer no cargo até 2034. O clima no país é tenso. Em 2015, houve protestos quando Nkurunziza anunciou que iria concorrer a mais um mandato. Segundo a ONU, pelo menos 1.200 pessoas morreram durante os distúrbios.
Foto: picture-alliance/D. Kurokawa
Mais um mandato para Nkurunziza?
Em abril de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza ocupava o cargo há apenas alguns meses. A lei do Burundi estipula que um Presidente pode exercer funções durante dois mandatos, o que significa que Nkurunziza teria de deixar o poder. O chefe de Estado, no entanto, anunciou que iria voltar a concorrer.
Foto: Getty Images/AFP/F.Guillot
Violência antes das eleições de 2015
Em resposta, as ruas de Bujumbura encheram-se de protestos. Em maio de 2015, as manifestações transformaram-se em crise política. Uma tentativa de golpe militar foi rapidamente anulada. A polícia e as forças de segurança reprimiram os manifestantes e, em resposta, opositores ao governo atacaram as autoridades. Surgiram relatos de brutalidade e tortura por parte de vários detidos.
Foto: Reuters/T. Mukoya
Presidenciais controversas
Os burundeses foram às urnas a 21 de julho de 2015. Poucos dias depois, Pierre Nkurunziza foi declarado vencedor. Os resultados foram os esperados, já que a oposição boicotou a votação. Agathon Rwasa, líder da oposição, inicialmente recusou-se a aceitar os resultados. Porém, pouco tempo depois, pediu um governo de unidade nacional, para desilusão de outros críticos do governo.
Foto: DW/K. Tiassou
Críticos do governo sob ameaça
Nos meses seguintes, foram recorrentes as ameaças de morte e tentativas de assassinato de membros da oposição, críticos, mas também funcionários do governo. O chefe de segurança de Nkurunziza, Adolphe Nshimirimana, e o ativista de direitos humanos Pierre-Claver Mbonimpa (na foto) foram dois dos casos. Mbonimpa sobreviveu após ser baleado pelo menos quatro vezes, mas perdeu o filho e o genro.
Foto: DW/D. Kiramvu
Situação agudiza-se
A 11 de dezembro de 2015, opositores atacaram quatro bases militares em Bujumbura. Um dia depois, as tropas do exército invadiram redutos de opositores na capital. Mais de 100 pessoas terão morrido durante os confrontos. Moradores falam em dezenas de mortes. A União Africana ofereceu-se para enviar tropas de paz para o país, mas Nkurunziza recusou qualquer intervenção.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Fugir à crise
"Não podemos ignorar uma crise desta dimensão", declarou em finais de 2015 Adama Dieng, o conselheiro especial das Nações Unidas para a prevenção do genocídio. Nessa altura, a crise humanitária atingia níveis alarmantes. Atualmente, quase 400 mil refugiados do Burundi vivem ainda fora do país.
Foto: DW/M. El Dorado
Conversações falham
Em janeiro de 2016, a União Africana tentou mediar as conversações entre o governo e a oposição. No entanto, a conferência em Arusha, na vizinha Tanzânia, foi adiada repetidas vezes. Quando as negociações começaram em maio, uma grande coaligação de oposição, a CNARED, foi excluída e as negociações foram consideradas uma farsa desde o início.
Foto: DW/C. Ngereza
Uma paz frágil
Com o passar do tempo, a vida voltou à normalidade nas ruas de Bujumbura, mas as queixas políticas continuaram a ser as mesmas. Em setembro de 2016, investigadores da ONU anunciaram provas de graves violações dos direitos humanos, incluindo tortura e assassinatos por parte de membros do Estado. Os investigadores também alertaram para a crescente tensão étnica.
Foto: Getty Images/AFP
Reformas constitucionais
Entretanto, o governo de Nkurunziza planeava mudancas constitucionais. Em agosto de 2016, uma comissão governamental propôs mudanças na Constituição para eliminar os limites do mandato presidencial. O próprio Pierre Nkurunziza deu a entender que estava a considerar concorrer a um quarto mandato em 2020.
Foto: DW/A. Niragira
Milícia aterroriza população
No início de 2017, a situação política continuava tensa. A ala juvenil da milícia pró-governamental Imbonerakure continuou a espalhar o medo entre o povo. Apesar da pressão internacional e das sanções da União Europeia, a postura de Nkurunziza continuou inalterada.
Foto: Getty Images/AFP/C. de Souza
Um caso para o TPI?
Em novembro de 2017, o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, Holanda, iniciou uma investigação sobre supostos crimes contra a humanidade no Burundi. O governo foi acusado de perpetrar um ataque generalizado e sistemático contra civis. Um mês antes, o Burundi foi o primeiro país africano a retirar-se do TPI e do Estatuto de Roma.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Massacre antes do referendo
A 11 de maio de 2018, homens armados desconhecidos atacaram residentes na província de Cibitoke. Pelo menos 26 pessoas morreram. O governo acusou "terroristas" da vizinha República Democrática do Congo pelo ataque. O incidente ocorreu poucos dias antes do referendo constitucional de 17 de maio, que poderá permitir que Nkurunziza continue no cargo até 2034.