Tribunal especial vai julgar crimes de guerra na RCA
António Cascais | ms
2 de outubro de 2018
Há anos que organizações de direitos humanos pedem uma resolução dos casos de crimes de guerra na RCA. Espera-se que o Tribunal Especial comece finalmente a trabalhar a 19 de outubro - apesar do ceticismo da população.
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"O Tribunal Penal Especial é uma grande esperança", para finalmente pôr um ponto final a "longos e agonizantes anos de impunidade", afirma o ministro da Justiça da República Centro-Africana (RCA), Flavien Mbata, em entrevista exclusiva à DW.
"Demos um grande passo. Os juízes e os investigadores do novo tribunal já estão disponíveis. Faltam ainda dois juízes estrangeiros - um do Togo e outro do Benim -, mas em breve estarão em Bangui. No entanto, há um problema: existe um grande buraco financeiro", revelou ainda o ministro.
Até agora, continuam impunes as mais atrozes violações dos direitos humanos, como o massacre e o deslocamento forçado de pessoas e as pilhagens durante os conflitos étnicos e religiosos ocorridos na RCA entre 2003 e 2013.
Tribunal especial vai julgar crimes de guerra na RCA
"A maioria dos assassinos e dos seus apoiantes ainda circulam livremente por Bangui e outras cidades, ou vivem sem problemas em países vizinhos ou na Europa", diz o ativista dos direitos humanos Fernand Mande-Djapou, coordenador da organização não-governamental Coligação para o Tribunal Penal Especial.
O próprio François Bozizé, que era Presidente na altura em que ocorreu a maior parte dos casos de violações dos direitos humanos, vive atualmente no Uganda.
Campanha para esclarecer população
Uma campanha de esclarecimento em larga escala está em curso, há já várias semanas, na capital da RCA, Bangui, e em dez cidades do interior. Através de iniciativas como teatro de rua, a população tem sido informada sobre os deveres do Tribunal Penal Especial.
"Tentamos motivar as vítimas a trabalhar com o tribunal especial. E distribuímos formulários que as pessoas podem preencher se quiserem denunciar um crime ou relatar os seus casos", explica o ativista Fernand Mande-Djapou.
Após vários adiamentos, o tribunal começa oficialmente o seu trabalho em outubro - mais concretamente no dia 19, disse à DW o ministro da Justiça. "O tribunal será independente. Não haverá nenhuma influência política no trabalho do Tribunal Penal Especial. Os juízes e outros funcionários do tribunal serão totalmente independentes e não terão restrições de nenhum tipo no seu trabalho", promete Flavien Mbata.
Mas Fernand Mande-Djapou acha que não será assim tão simples: a população da República Centro-Africana tem-se mostrado muito cética em relação ao tribunal. "Muitos cidadãos viram o que aconteceu no Tribunal Penal Internacional, em Haia, no caso de Jean-Pierre Bemba, ou seja, a sua absolvição. E muitos perguntam: irá acontecer o mesmo aqui na República Centro-Africana?", lembra o ativista.
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.