Tripla crise: Deslocados no olho do furacão em Cabo Delgado
27 de maio de 2025
O alastramento da insurgência para regiões consideradas anteriormente estáveis preocupa o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que fala em "tripla crise", resultado da combinação entre terrorismo, fenómenos climáticos e tensão pós-eleitoral.
Em entrevista à DW, a responsável de comunicação do ACNUR em Cabo Delgado fala numa "crise silenciosa" com o número de deslocados a aumentar a cada dia. Isadora Zoni pontua: Falta financiamento ao passo que os preços dos alimentos aumenta.
DW África: Como avalia a segurança em Cabo Delgado atualmente?
Isadora Zoni (IZ): Estamos a verificar um aumento dos ataques em áreas que antes eram consideradas seguras. Registámos quase 15.000 pessoas forçadas a fugir das suas casas em Ancuabe, mais de 5.000 pessoas em Montepuez e tivemos também a informação do deslocamento de pessoas em Niassa. Então, não se trata de um alarme sobre uma emergência generalizada, mas de uma reflexão sobre como esses ataques estão acontecendo nessas áreas que antes eram áreas consideradas seguras.
Mesmo Ancuabe, por exemplo, é uma área que possui um centro de reassentamento, considerado um centro-modelo. Algumas famílias já estão lá, deslocadas do norte. E agora, testemunhar que essas famílias talvez também estejam sendo impactadas, isso nos causa uma certa preocupação.
DW África: Quais são as consequências imediatas desta deterioração da situação de segurança?
IZ: Quando falamos sobre conflito e deslocados, sempre falamos sobre as pessoas mais vulneráveis, tendo a sua vulnerabilidade agravada. Então, falamos sobre situações que podem envolver, por exemplo, a separação familiar e o tema da violência baseada em género.
Sempre que possível, quando acontece uma situação de deslocamento, o ACNUR vai ao terreno para fazer uma análise da situação de proteção. O nosso objetivo é identificar esses casos de maior vulnerabilidade para que a gente possa também identificar como dar apoio a essa população. Um exemplo claro é que, sempre que ocorre o deslocamento, há casos de pessoas que perdem a sua documentação. E nós sabemos que a documentação civil é essencial para acesso a serviços como, por exemplo, saúde, educação e também para a liberdade de movimento. Então, toca diretamente na esfera dos direitos dessas pessoas.
DW África: E como é que o ACNUR está a lidar com o aumento de deslocados ou com uma nova onda de deslocados em Cabo Delgado?
IZ: Até ao momento, o ACNUR conseguiu apenas o financiamento de 32% das necessidades que foram levantadas. Ademais, a nível geral, quando falamos sobre a resposta humanitária com o objetivo de atingir 5,2 milhões de pessoas, nós sabemos que, infelizmente, apenas 14,9% ou 15% dessas necessidades foram financiadas até ao momento. Por isso, nós estamos trabalhando, junto com parceiros e junto com o Governo, para tentar responder às necessidades.
Mas sempre que falamos de novos episódios de deslocamentos, nós também falamos de mais pessoas que se somam a essas pessoas identificadas anteriormente, o que agrava ainda mais a nossa situação de financiamento.
DW África: E como é que essa "tripla crise" que envolve a insurgência, as consequências das alterações climáticas e a crise pós-eleitoral tornou a situação mais difícil em Cabo Delgado?
IZ: Quando nós falamos da "tripla crise", nós estamos falando sobre famílias deslocadas do norte e que encontram, por exemplo, em Chiúre, a oportunidade de reconstruir suas vidas. Mas, infelizmente, a chegada dos ciclones - e nessa última estação tivemos três ciclones seguidos - acaba por destruir o pouco que aquela família conseguiu fazer em termos de reconstruir a sua vida. É uma crise silenciosa e que vem aumentando os preços dos alimentos.