Tshisekedi: "É Paul Kagame o inimigo" e não o povo ruandês
Lusa
5 de dezembro de 2022
Em declarações, no fim de semana, o chefe de Estado da RDC, Felix Tshisekedi, disse ainda que os ruandeses são "irmãos" que "precisam [de ajuda] para se libertarem".
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O Presidente da República Democrática do Congo (RDC), Felix Tshisekedi, designou o homólogo ruandês, Paul Kagame, um "inimigo", no contexto das tensões diplomáticas causadas pela ofensiva do grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23) no leste do país.
"Não vale a pena olhar para os ruandeses como inimigos. É o regime ruandês, com Paul Kagame à cabeça, que é o inimigo da RDCongo. Os ruandeses e ruandesas são nossos irmãos e irmãs, e, para além disso, precisam da nossa ajuda porque estão amordaçados, precisam da nossa ajuda para se libertarem", afirmou o chefe de Estado congolês num discurso proferido, durante o fim de semana, na sede da União Africana, em Adis Abeba, e divulgado pela Rádio Okapi.
"Eles [os ruandeses] não são culpados daquilo que lhes é imposto pelos seus. Portanto, não os vejam como inimigos, mas como irmãos, que precisam da nossa solidariedade para se libertarem e libertarem África deste tipo de dirigentes retrógrados, que ainda utilizam os meios dos anos 60 e 70, ao passo que África decidiu já colocar um ponto final ao barulho das armas", prosseguiu Tshisekedi.
O chefe de Estado da RDC acrescentou que, se "isso ainda não aconteceu, é precisamente por causa de dirigentes como Paul Kagamé, que sente orgulho por ser um causador de guerra, de ser um especialista da guerra".
"Ele tem orgulho. Eu, no seu lugar, esconder-me-ia, teria vergonha de assumir que semeava a morte e a desolação. É vergonhoso, diria mesmo, diabólico", concluiu o Presidente da RDCongo.
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Troca de acusações
As declarações de Tshisekedi respondem às declarações de Kagame na semana passada, que acusou o seu homólogo congolês de fomentar uma crise de segurança no leste da RDCongo, com a finalidade única de sustentar um argumento para adiar as eleições agendadas para 2023.
Segundo o Presidente ruandês, o conflito entre a RDCongo e o movimento rebelde de etnia tutsi M23 "seria facilmente resolvido se não houvesse nenhum país com eleições agendadas para o próximo ano e não estivesse a tentar criar uma emergência para as adiar".
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Kagame também acusou Kinshasa de estar a promover uma guerra por procuração ao patrocinar a ofensiva do grupo armado Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR) - composto por extremistas hutus, alguns responsáveis pelo genocídio ruandês -- no Ruanda.
"É lamentável que se tenha tornado conveniente que todos os problemas recaiam sobre os ombros do Ruanda. A culpa é sempre nossa", afirmou o Presidente ruandês.
"Estou a começar a acreditar em algo em que nunca acreditei. Mas já passou tanto tempo que não posso evitar. Alguém, algures, quer que este problema exista para sempre porque há demasiadas coisas em jogo", acusou, para em seguida criticar a "narrativa desde 1994", segundo a qual "os perpetradores e as vítimas (do genocídio no Ruanda) são os mesmos".
Esta retórica de guerra parece deixar pouca margem aos esforços da mediação angolana e queniana sob os auspícios da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), liderada pelo chefe de Estado angolano, João Lourenço, e pelo ex-Presidente queniano Uhuru Kenyatta, que reuniu em Nairobi 60 grupos rebeldes para a terceira ronda de negociações de paz na RDCongo, que hoje se conclui.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.