"Pressionem Ruanda a acabar com apoio aos rebeldes do M23"
Lusa
15 de dezembro de 2022
Presidente da República Democrática do Congo (RDC) pede aos EUA que "pressionem o Ruanda" a "acabar com todo o apoio" ao grupo rebelde Movimento 23 de Março (M23), que tem controlado várias cidades no Kivu do Norte.
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Félix Tshisekedi, que foi recebido na quarta-feira pelo seu homólogo norte-americano, Joe Biden, na Casa Branca, denunciou "as agressões do grupo terrorista M23 e do Ruanda" e apelou ao "estrito respeito pelas decisões da cimeira de Luanda", entre elas o cessar-fogo e a retirada dos rebeldes da área.
Nesse sentido, Tshisekedi pediu a Biden "um envolvimento firme dos Estados Unidos" para "pressionar" Kigali, ao mesmo tempo que agradeceu ao Presidente norte-americano "pelas recentes declarações de Washington a este respeito", segundo indicou a Presidência congolesa na rede social Twitter.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, apelou na semana passada ao Ruanda "para honrar os seus compromissos em Luanda, incluindo o fim do apoio ao M23", com Kigali a criticar a posição "errónea e equivocada" da comunidade internacional face ao conflito no leste da RDC.
"Não é um problema do Ruanda"
Por sua vez, o Presidente ruandês, Paul Kagamé, sublinhou que o problema da insegurança no leste da RDC "não é um problema do Ruanda", antes de afirmar que "existem mais de uma centena de grupos armados no país e apenas se menciona o M23".
Kagamé enfatizou que os problemas relacionados à insegurança no país vizinho, num momento de plenas tensões bilaterais, segundo a agência de notícias ruandesa RBA.
As relações entre a República Democrática do Congo e o Ruanda estão em crise desde a chegada em massa ao leste da RDC de hutus ruandeses acusados de massacrar tutsis durante o genocídio ruandês de 1994.
Kinshasa acusa Kigali de apoiar o M23, enquanto Ruanda afirma que a RDC apoia as Forças Democráticas para o Libertação do Ruanda (FDLR).
Jovens da RDC juntam-se ao Exército para combater o M23
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M23
O M23 foi criado em 2012, quando soldados congoleses se revoltaram devido à perda de poder do seu líder, Bosco Ntaganda, acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes de guerra; denunciando ainda várias violações do acordo de paz de 23 de Março de 2009, que dá o nome ao movimento.
O M23 é acusado desde novembro de 2021 de realizar ataques contra posições do Exército no Kivu do Norte, apesar das autoridades congolesas e do M23 terem assinado um acordo de paz em dezembro de 2013, após os combates registados desde 2012 com o Exército, que contou com o apoio de tropas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Especialistas da ONU acusaram Uganda e Ruanda de apoiar os rebeldes, embora ambos os países o neguem.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.