Tshisekedi e Kagame debatem crise diplomática em Luanda
Wendy Bashi | af
6 de julho de 2022
Os presidentes da República Democrática do Congo (RDC) e do Ruanda reúnem-se esta quarta-feira, na capital angolana. João Lourenço é o mediador do encontro, que tem como destaque o conflito armado no leste congolês.
Publicidade
Ruanda e RDC acusam-se mutuamente de apoio a grupos rebeldes. Kinshasa acusa Kigali de apoiar os rebeldes do Movimento 23 de Março, também conhecido por M23, que desestabiliza o leste do país.
Paul Kagame nega estas acusações e diz que Kinshasa não está saber lidar com o conflito contra o M23: "Cometeram um erro na altura. Estes problemas não são resolvidos pela força das armas e não requerem soluções militares, requerem mais soluções políticas e ignoraram os alertas."
Numa entrevista à televisão estatal ruandesa, esta semana, Paul Kagame contra-atacou as acusações do seu homólogo congolês, acusando o Exército da vizinha RDC de colaborar com um grupo rebelde criado por alguns dos líderes do genocídio de 1994.
"Não é aceitável que as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda sejam armadas no Congo e venham matar a nossa gente", frisou.
Esta acusação abre outra frente nas já tensas relações entre os dois Estados. Mas, Kagame quer abrir uma nova neste capítulo. "Tudo o que precisamos é paz. Paz no Ruanda e paz na RDC", afirma.
Mais "sinceridade" no diálogo
No entanto, para a ativista Chantal Faida é preciso "sinceridade" nas conversações entre os dois chefes de estado, para a pacificação do Congo.
Publicidade
"Há mais de duas décadas que temos acordos entre vários movimentos rebeldes que são abertamente patrocinados pelo Ruanda. Há provas tangíveis desse envolvimento ruandês. Basta olhar para as munições que estão na posse do M23, nenhum grupo armado congolês tem esse tipo de munições, pelo que compreendemos que há apoio direto do Ruanda", explica.
Nicke Elebe, diretor da Iniciativa Open Society Initiative para África Austral, considera importante a cimeira desta quarta-feira (06.07) entre os dois chefes de Estado.
"Primeiro, é importante desanuviar a tensão entre os dois países. E o facto de os dois presidentes se reunirem é um sinal que deve ser encorajado", destaca.
Por outro lado, o analista entende que "a insegurança na RDC não é apenas um problema interno, é um problema que afeta a todos países na regional oriental de África e que exige uma resposta regional."
Mama Faida, miliciana na RDC, conta a sua história
02:22
Sinal de fraqueza?
Mas em Kinshasa há quem não vêm como bons olhos o diálogo entre Félix Tshisekedi e Paul Kagame por considerar que se trata de um sinal de fraqueza.
Michel Lutumbue, do Grupo de Investigação e Informação sobre Paz e Segurança (Grip), diz que a reunião de hoje é um teste de credibilidade para o Presidente congolês, não só internamente, mas "ao nível da sua liderança regional, colocada sob o signo do diálogo."
Entre maio e junho deste ano, os ataques do M23 mataram dezenas de civis. Mais de 170.000 pessoas foram deslocadas.
Os líderes da África Oriental concordaram no mês passado em criar uma força regional para tentar pôr fim ao conflito no Kivu do Norte.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.