Deputados reuniram-se online e revogaram todos os decretos do PR. Em resposta, Kais Saied dissolveu o Parlamento - oito meses depois de o ter suspendido. Decisão é vista como um revés democrático no país.
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A decisão do Presidente Kais Saied foi anunciada durante uma reunião de emergência do Conselho de Segurança Nacional da Tunísia, na noite desta quarta-feira (30.03).
"Anuncio hoje, neste momento histórico, a dissolução da Assembleia de Representantes do Povo [Parlamento] para preservar o Estado e as suas instituições, para preservar o povo tunisino", declarou.
Esta decisão é vista como um revés democrático no país, berço da Primavera Árabe. Trata-se de uma reação aos atos dos deputados tunisinos, que reunidos de forma virtual revogaram os decretos presidencias considerados pela oposição como golpe.
Entre os decretos adotados em julho do ano passado pelo Presidente está a destituição do primeiro-ministro, Hichem Mechichi, e a nomeação de sua sucessora, Najla Bouden; a suspensão de quase toda a Constituição de 2014 e a dissolução do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e sua substituição por um órgão "temporário".
"Conspiração"
Na sua curta declaração à Nação na noite desta quarta-feira sobre a reunião online dos parlamentares, Kais Saied acusou os deputados de "uma conspiração contra a segurança do Estado".
"O encontro na internet nunca aconteceu na história de nenhum Parlamento, não tem qualquer legitimidade. É uma tentativa de golpe falhada e uma conspiração contra a segurança interna e externa do Estado. Eles serão processados criminalmente", afirmou o chefe de Estado.
Por seu turno, a poderosa central sindical UGTT - que apoia as medidas de Saied - também criticou esta reunião e acusou os parlamentares de "conduzir o país ao conflito e à divisão política".
Cerca de 124 deputados de um total de 217 participaram na sessão online e 116 votaram contra as "medidas excecionais" que Saied tem utilizado desde julho, disse o deputado Tarek Ftiti.
"O ponto um da nossa decisão é revogar todas as ordens e decretos presidenciais emitidos desde 25 de julho de 2021. A sessão plenária respeitou a lei", considerou.
Tunísia: confrontos no sétimo aniversário da Primavera Árabe
01:37
Oposição crescente
O aumento da confiança do Parlamento e a união dos partidos fora do Governo refletem uma oposição crescente a Saied ao tentar mudar a Constituição, assumir o controlo do poder judicial e impor novas restrições à sociedade civil.
Os deputados pediram ainda a organização de eleições legislativas e presidenciais antecipadas. Mas o Presidente adiantou que vai formar uma comissão para rescrever a Constituição, que deverá ir a referendo em julho, e realizar as legislativas em dezembro.
Após a reunião dos parlamentares, houve protestos nas ruas de Tunes contra o Presidente.
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Crise socioeconómica
Além do impasse político, a Tunísia procura sair de uma profunda crise socioeconómica e discute com o Fundo Monetário Internacional a obtenção de um novo empréstimo. O FMI assegurou esta quarta-feira que as negociações com o Governo tunisino para o terceiro empréstimo no espaço de uma década são "frutíferas".
No início do ano, a Tunísia retomou as negociações com a instituição para tentar obter um empréstimo de 4.000 milhões de dólares (cerca de 3.580 milhões de euros) antes de abril, que lhe permitirá fazer face a uma dívida que já ultrapassa 100% do Produto Interno Bruto.
As exigências do FMI obrigam a um consenso entre sindicatos, patrões e sociedade civil sobre um projeto de longo prazo.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.