Tunísia vota nova Constituição em referendo histórico
EFE | Lusa | tms
25 de julho de 2022
Os tunisinos votam num referendo sobre uma nova Constituição, com fortes hipóteses de ser adotada, colocando o país sob um regime político ultra-presidencialista, com riscos de uma deriva ditatorial.
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Mais de 9,2 milhões de tunisinos estão convocados a votar esta segunda-feira (25.07) no primeiro referendo da história da Tunísia. Vão decidir se querem uma nova Constituição para substituir a de 2014, resultante de uma transição democrática que agora segue um rumo incerto.
As mais de 11.000 assembleias de votação permanecerão abertas das 6h às 22h locais durante um dia não útil em todo o país e que coincide com o período de férias.
Observadores nacionais e internacionais garantirão a legalidade do referendo e estarão presentes delegações oficiais da União Africana, da Liga Árabe e da organização Carter, detalhou à agência de notícias EFE Farouk Bouasker, presidente da Instância Superior Independente para Eleições (ISIE), encarregado de monitorar a votação.
O Presidente da Tunísia, Kais Saied, modificou por decreto em abril a composição do ISIE, órgão até então independente, cujos membros passaram a ser eleitos de forma direta e indireta por ele.
Por sua vez, a associação tunisina Mourakiboun irá mobilizar 3.200 observadores para mil assembleias de votação, enquanto as autoridades anunciaram que 84.000 agentes supervisionarão os colégios eleitorais.
Os 348.876 eleitores residentes no exterior podem votar nas embaixadas e consulados desde o último sábado (23.07).
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"Nova República"
O referendo constitucional faz parte do roteiro do Presidente tunisino, que em 25 de julho de 2021 decretou estado de emergência para corrigir, segundo declarou então, o curso revolucionário que começou em 2011 com a queda da ditadura de Zine el Abidine Ben Ali.
A nova Constituição, se aprovada, substituirá a atual de 2014 e formará um sistema político que passará de parlamentar, como o atual, a "ultra-presidencial", pois confere maiores poderes executivos ao chefe de Estado e enfraquece o papel do Parlamento.
Juristas alertaram sobre a falta de independência judicial e a separação de poderes que garantem o Estado de Direito no novo texto que, em sua avaliação, "codifica o autoritarismo".
Os cidadãos, que viram o rascunho final em 30 de junho - posteriormente modificado em 8 de julho com pequenas alterações - terão que decidir amanhã se votarão "sim" ou "não" ao novo texto.
Calendário eleitoral
A contagem dos votos se estenderá de terça-feira a quinta-feira (28.07), quando serão conhecidos os resultados preliminares, após o que se abrirá um período de alegações entre 30 de julho e 27 de agosto até a publicação dos resultados finais em 28 de agosto.
O texto contempla nas disposições transitórias que o decreto de setembro de 2021, pelo qual o Presidente governa com medidas excecionais, será mantido até a formação de um novo Parlamento.
Saied anunciou eleições legislativas para 17 de dezembro, data em lembrança da autoimolação em 2010 do jovem vendedor ambulante Mohamed Bouazizi na cidade de Sidi Bouzid em 2010, considerada a centelha dos protestos que levaram à revolução.
Já neste 25 de julho se completa um ano desde que Saied destituiu o primeiro-ministro e suspendeu o Parlamento - depois dissolvido - para "salvar" a nação, além de ser o 65º aniversário da proclamação da República da Tunísia por Habib Bourguiba.
O Presidente tunisino, que insiste na criação de uma "Nova República", baseou o atual roteiro político em uma pesquisa digital realizada em janeiro na qual participaram pouco mais de 5% dos eleitores registrados.
A maioria dos partidos políticos pediu um boicote ao referendo histórico que não contempla um limite mínimo de participação para a aprovação final do projeto constitucional.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.