Em Vilankulo, na província de Inhambane, operadores turísticos montaram esquemas de fuga ao fisco, aponta relatório do CIP. Entre os suspeitos está um empresário sul-africano, dono de um "império" na vila.
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Na vila turística de Vilankulo, na província de Inhambane, sul moçambicano, há uma "corrupção estrutural que afeta a medula das instituições". É uma acusação feita pelo Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), que publicou recentemente um relatório sobre o assunto.
O CIP desconfia, por exemplo, que operadores turísticos, a maioria estrangeiros, montaram esquemas de fuga ao fisco. E aponta, em particular, o dedo a um empresário sul-africano: Steven McIntyre, dono de um "império empresarial" em Vilankulo, que inclui dois complexos turísticos.
O dinheiro que os hóspedes pagam pela estadia na vila seria depositado fora de Moçambique. E, segundo o pesquisador do CIP, Borges Nhamire, há dúvidas se os pagamentos são tributados no país.
"Há indícios de que haja este crime de fuga ao fisco. Investigámos e escrevemos com base na informação a que tivemos acesso. Os pagamentos para alojamento em Moçambique são feitos no exterior. O que nós queríamos é que a Procuradoria apurasse, entre várias coisas, se esses pagamentos que são feitos no exterior são declarados em Moçambique para efeitos de tributação".
Mais transparência
O CIP não é o único a criticar o empresário sul-africano. O presidente do conselho empresarial em Vilankulo, Nazir Amuji, também pede mais transparência. De acordo com ele, Steven McIntyre "tem de mostrar por que estes depósitos foram feitos na África do Sul, e se esse dinheiro voltou a entrar no país ou não".
"É preciso averiguar isso junto deste empresário. Se o [dinheiro] ficou por lá, é grave, mas se entrou [em Moçambique] é bom para o país", ressalta Amuji.
O conselho empresarial diz que já se tentou reunir com o empresário sul-africano para confrontá-lo com as acusações, mas há mais de 15 dias que não o consegue fazer. A DW África tentou, sem sucesso, ouvir o empresário, que estará fora de Moçambique.
Carlos Hou, gerente do Hotel Pescador, propriedade do empresário Steven McIntyre, avançou apenas à DW que a Procuradoria Provincial está a investigar o caso.
"Para esta questão de fuga ao fisco, já há uma notificação do lado da Procuradoria. Fomos lá prestar declarações. O nosso advogado está a tratar do caso".
Imagem turística
O conselho empresarial de Vilankulo sublinha que é preciso esclarecer este e outros casos para melhorar a imagem da vila turística. Nazir Amuji ecoa as palavras do relatório do CIP, que denunciou que, em Vilankulo, há "empresários e personalidades influentes" que "usam de forma abusiva o poder económico para manter domínio" nas relações com o Estado.
A relação de amizade entre os empresários e o Conselho Municipal é "clara e evidente", segundo Amuji. "Não acreditamos que seja só por falta de dinheiro, mas há alguma falta de competência nesse aspeto", ressalta o presidente do conselho empresarial da vila.
Abílio Machado, presidente do Conselho Municipal de Vilankulo, negou-se a receber a reportagem da DW já depois de confirmar a entrevista sobre o relatório do CIP. Falou apenas por telefone: "O trabalho que o CIP fez não se pode cingir apenas a um município. Devia ter trazido várias informações em relação à governação dos 53 [municípios] ou metade deles, agora apenas vieram a Vilankulo".
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.