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Turquia: O "irmão benevolente" e anti-colonial de África

Burak Ünveren
25 de fevereiro de 2021

A estratégia de Ancara para aumentar a sua influência na África subsaariana parece estar a funcionar, já que goza de uma imagem positiva entre muitos africanos. No entanto, o seu poder não deve ser sobrevalorizado.

Foto: picture-alliance/AP Images/K. Ozer

Nos últimos 15 anos, a Turquia foi intensificando gradualmente os laços políticos e económicos com os países africanos, sobretudo na África Subsaariana. Recentemente, a Turquia começou a definir-se como um "Estado afro-eurasiático", em vez do anterior "Estado eurasiático".

Ancara exerce a sua influência no continente de forma multifacetada, envolvendo-se no comércio, cooperação militar, educação, diplomacia, infraestruturas e sociedade civil, além de manter relações políticas com várias nações africanas.

Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia, "as relações com África constituem uma das principais orientações da política externa turca". Nos últimos 10 anos, a presença diplomática turca no continente quase quadruplicou. Em 2009, só havia 12 embaixadas turcas em todo o continente. Um número que aumentou para 42 em 2019. E Ancara também vai abrir duas novas embaixadas no Togo e na Guiné-Bissau.

O volume comercial da Turquia com a África subsariana aumentou de mil milhões de dólares (834.000 milhões de euros) em 2002 para 7,6 mil milhões de dólares em 2019.

A maior base militar ultramarina de Ancara situa-se na Somália, onde as Forças Armadas turcas treinam soldados. De acordo com a Agência Turca de Cooperação e Coordenação (TİKA), a Somália foi o segundo país que mais beneficiou da assistência bilateral da Turquia em 2019. Na lista estão também o Sudão, o Níger, o Djibuti, o Chade e a Guiné.

À procura de um papel maior

Desde que o Presidente Recep Tayyip Erdogan chegou ao poder, há cerca de 20 anos, a Turquia tem procurado abertamente tornar-se um ator maior em temas mundiais e expandir a sua esfera de influência. E Ancara começou a posicionar-se bem além da sua vizinhança imediata.

"Em 2004-2005, o governo de Erdogan quis criar um novo papel da Turquia no contexto internacional. Queriam alimentar a imagem da Turquia como potência emergente", lembra à DW o académico Federico Donelli, da Universidade de Génova, Itália.

Elif Comoglu, embaixadora da Turquia na África do SulFoto: Privat

Nos últimos anos, tornou-se um pilar central da política externa turca a afirmação de que a Turquia quer ser a voz dos povos oprimidos e o lema do Presidente Erdogan "O mundo é maior do que cinco", que se baseia no argumento de que o sistema de adesão permanente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas é deficiente.

A Turquia tem-se situado como uma potência que fala em nome de "grupos esquecidos em todo o mundo", disse à DW Elif Comoglu Ulgen, embaixadora turca na África do Sul, que destaca ainda "a atitude da Turquia na política global, particularmente na ONU, e os discursos do Presidente turco na ONU, onde fala destemidamente a favor dos oprimidos."

Tirar partido da história colonial de África

Ancara apresenta-se como a alternativa benevolente e fraternal às potências europeias que outrora colonizaram o continente. "A Turquia tem alguns benefícios. Não há passado colonial na história da Turquia", disse Donelli. "Embora o Império Otomano tivesse muitas relações e contactos em África, não podemos considerar esse período como um período colonial. Por outro lado, todos os países ocidentais têm passados coloniais, todos eles têm este tipo de rótulo".

Turquia investiu em várias infraestruturas na SomáliaFoto: Volkan Furuncu/AA/picture alliance

Para Ali Bilgic, que investiga a política externa turca na Universidade de Loughborough, "a Turquia não tem essa história colonial negativa e a forma como se apresenta é benevolente".

Segundo a embaixadora Ulgen, a Turquia, enquanto país "sem qualquer bagagem colonial", está numa posição fácil. "A noção de colonialismo ainda está muito viva nesta parte do continente. O contexto colonial continua a assombrar o povo de África", destaca.

Estratégia "fraterna" com África

Em 2011, o então primeiro-ministro Erdogan tornou-se o primeiro líder não africano a visitar Mogadíscio em 20 anos. "A tragédia que aqui se vive é um teste à civilização e aos valores contemporâneos", disse na altura.

Durante a mesma visita, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e atual opositor político Ahmet Davutoglu afirmou: "Viemos à Somália para mostrar a nossa solidariedade para com os irmãos e irmãs da Somália, mas isto não é apenas por um dia, continuaremos a trabalhar para os nossos irmãos e irmãs e nunca os deixaremos sozinhos". De acordo com Bilgic, essa visita "colocou, de facto, a Somália de novo no mapa do mundo".

Erdogan, que em 2011 era primeiro-ministro da Turquia, foi o primeiro líder não-africano a visitar a Somália em 20 anosFoto: Stuart Price/au-Un Ist/dpa/picture alliance

Segundo a agência noticiosa turca Anadolu, desde 2011, a Turquia gastou mais de mil milhões de dólares em ajuda e infraestruturas na Somália. A Turquia tem também a sua maior embaixada do mundo em Mogadíscio.

Em 2020, durante o seu encontro com o Presidente do Senegal, Macky Sall, Erdogan afirmou: "Vemos o povo de África como nossos irmãos, com os quais partilhamos um destino comum. Abordamos a sua dor não com objetivos políticos, estratégicos e baseados em interesses, mas sim de forma completamente humana e consciente".

Missão cumprida?

A política africana da Turquia parece encontrar ressonância entre os africanos. Os analistas Ali Bilgic e Federico Donelli argumentam que, no geral, a Turquia goza de uma imagem positiva em África. "A forma como a Turquia se comporta parece estar a funcionar por enquanto", acrescenta Bilgic.

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"Se falar com os somalis sobre o povo turco, eles dir-lhe-ão que eles são irmãos e irmãs, que estão aqui por nós, não por eles próprios", explica o correspondente da DW na capital da Somália, Mogadíscio.

Não foi apenas a percepção que África tem da Turquia que sofreu uma transição positiva ao longo do tempo, o contrário também aconteceu. "A percepção de África, especialmente da África subsaariana, começou a mudar. No início, a região era considerada uma parte atrasada do continente sem quaisquer oportunidades", afirma Donelli, acrescentando que já não é esse o caso.

Superpoderes exacerbados

Embora a Turquia se tenha tornado uma potência emergente em África, os peritos advertem que existe uma discrepância entre as capacidades da Turquia e as das superpotências.

Ulf Engel, professor da Universidade de Leipzig, na Alemanha, considera que a Turquia não se encontra entre os maiores atores em África. "A Turquia está na mesma liga que os Emirados Árabes Unidos, Qatar, Arábia Saudita ou Irão. Estão a projetar poder numa região limitada, o que é sublinhado pela retórica neo-otomomanista e que se concentra realmente em vários países", afirma Engel.

"A capacidade real da Turquia não deve ser sobrevalorizada. Embora alguns decisores políticos turcos e a sua retórica queiram apresentar a Turquia como uma espécie de potência concorrente da China ou da França no continente africano, eu não penso assim", diz também Donelli.

A Turquia tornou-se recentemente bastante ativa também em regiões polares, especialmente na Antártida. "A política externa turca está neste momento na fase de estender a sua influência geopolítica ao mundo. Estão lá para ficar. Não é algo que vá desaparecer rapidamente devido a problemas económicos", conclui Bilgic.