O coletivo de professores do Uíge promete avançar com uma queixa-crime contra a Polícia Nacional de Angola, depois desta ter reprimido uma manifestação com recurso a gás lacrimogéneo.
Publicidade
O coletivo de professores do Uíge saiu às ruas, na manhã desta quinta-feira (01.07), para exigir o pagamento dos subsídios de férias de 2021 e de exames de 2019 - que o Governo provincial diz ter pago, mas que professores negam ter recebido. A manifestação foi convocada depois de terem falhado as negociações entre as partes.
Mas a polícia interveio e recorreu ao uso de gás lacrimogéneo para impedir o protesto. Segundo os manifestantes, várias pessoas ficaram feridas. Foram também detidos 12 professores e um jornalista, que já se encontram em liberdade.
Em entrevista à DW, Salvador dos Santos, um dos promotores do protesto, diz que os participantes ficaram surpreendidos com a violência das autoridades, pois não estavam a violar a lei.
DW África: O que aconteceu esta manhã durante o protesto?
Salvador dos Santos (SS): A manifestação foi fortemente reprimida pela Polícia de Intervenção Rápida. O coletivo de professores esteve congregado na rotunda do Songo, o local indicado para a concentração da manifestação. Momentos depois, partimos com a marcha até à catedral, junto à Praça da Independência – onde apareceu o aparato policial, [com homens] armados até aos dentes, como sempre.
Reprimiram a manifestação com agressão, espancamentos e dispersaram os colegas, rasgaram roupas, batas de professores. Os professores fugiram dispersos. E detiveram alguns colegas.
Fomos até à direção dos Serviços de Investigação Criminal. No entanto, apareceram também, prontamente, advogados da [Associação] Mãos Livres. Foram eles que intercederam e, felizmente, todos os detidos foram postos em liberdade.
DW África: Houve algum manifestante que tenha ficado ferido? Quantos professores foram detidos?
SS: Foram detidos 12 professores - dois deles promotores [da manifestação] - e um jornalista. Vários manifestantes ficaram feridos. Usaram gás lacrimogéneo e isso causou vários danos. Feriram muitas pessoas, três delas gravemente.
DW África: A organização cumpriu todos os procedimentos legais para a realização da manifestação?
SS: Com certeza. A organização cumpriu todos os pressupostos legais. Até antes da organização ter [enviado a] carta da manifestação, [tinha havido] uma negociação.
Fomos convocados ao Governo Provincial do Uíge, onde estiveram presentes o comandante municipal da Polícia Nacional, a vice-governadora para o setor social, o secretário do SINPROF [Sindicato Nacional de Professores], a diretora provincial da Educação, a delegada das Finanças. O coletivo dos professores esteve representado por cinco professores.
A governadora negou ter convidado os professores para ouvir as razões da manifestação. Dissemos que as razões são a reivindicação dos nossos subsídios de férias e de exame de 2019 e 2021, que não estão a ser pagos, e que um dos membros da direção provincial da Educação terá falado na rádio e confirmado ter pago esse subsídio. Na mesma reunião, apresentaram um documento comprovativo que confirma o pagamento desses subsídios, quando não é verdade. Nenhum professor recebeu esses subsídios, e a direção do SINPROF também confirma isso. Não foi pago qualquer subsídio aos professores.
No entanto, não chegámos a um consenso entre as partes. Mas todos os pressupostos legais foram cumpridos e parecia que a polícia estaria no local para assegurar a manifestação, mas fomos surpreendidos com essa repressão.
DW África: Caso as vossas exigências não sejam ouvidas, admitem voltar às ruas em protesto?
SS: Exatamente, nós vamos continuar. A partir de amanhã mesmo, nós, o grupo de organizadores deste protesto, vamos avançar com uma queixa-crime contra a Polícia Nacional, que agrediu gravemente os professores e chegou até a destruir aparelhos, megafones e telemóveis de colegas. A polícia terá de ser responsabilizada criminal e civilmente pelos seus atos.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.