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Ucrânia: Para quando a paz?

Christoph Hasselbach
23 de fevereiro de 2023

Um ano após a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, nenhum lado está pronto para negociar a paz. Mas a comunidade internacional aumenta a pressão.

Guerra na Ucrânia
Foto: Libkos/AP/dpa/picture alliance

O balanço de um ano de guerra de agressão da Rússia contra é trágico: dezenas de milhares de soldados mortos ou feridos, milhares de civis ucranianos mortos, incontáveis cidades destruídas. Em todo o mundo escasseia a energia, sobe a inflação e em muitos países em desenvolvimento cresce a fome.

O Presidente russo, Vladimir Putin, não conseguiu ocupar toda a Ucrânia, como pretendia, mas controla cerca de um quinto do país. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, insiste que todo o território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia, será reconquistado.

No seu mais recente discurso sobre o estado da nação, Putin não deu qualquer indicação de que está pronto a ceder. Pelo contrário: "É impossível derrotar o nosso país no campo de batalha", afirmou. E agravou a tensão ao anunciar que Moscovo vai suspender a sua participação no tratado de armas nucleares New START, o último que mantinha com os EUA.

O anúncio é considerado uma reação à visita surpresa do Presidente dos EUA Joseph Biden a Kiev no dia anterior, durante a qual prometeu a Zelensky o apoio contínuo de Washington. "Não se trata apenas da liberdade da Ucrânia, trata-se da liberdade da própria democracia", disse Biden. Mais tarde em Varsóvia, Biden reiterou: "A Ucrânia nunca será uma vitória para a Rússia, nunca!". Mas a vontade dos Republicanos no Congresso em Washington e da população americana de apoiar a Ucrânia tende a diminuir.

A guerra trouxe morte e destruição à UcrâniaFoto: Andriy Andriyenko/AP Photo/picture alliance

Medo de uma guerra mundial

Também na Alemanha cresce a pressão para negociações de paz. Num inquérito recente 58% dos inquiridos defenderam que não estão a ser envidados esforços suficientes para pôr cobro à guerra, o número mais elevado desde o início das hostilidades em 24 de fevereiro de 2022. Há quem pense, na Alemanha, que o Ocidente deve retirar-se da guerra. E muitos temem uma terceira guerra mundial.

O embaixador ucraniano em Berlim, Oleksij Makejew, disse a meios de comunicação alemães não compreender o medo do Ocidente de uma terceira guerra mundial. "A Ucrânia já se encontra numa terceira guerra mundial. A Rússia está a travar uma guerra de extermínio contra nós", disse.

O secretário-geral da aliança militar ocidental NATO, Jens Stoltenberg, rejeita categoricamente a noção de uma paz unilateral. "Se a Ucrânia deixar de lutar, deixará de existir como Estado independente", disse Stoltenberg à DW em outubro. Por isso, concluiu, Kiev tem de "ganhar a guerra".

A Ucrânia aposta nos tanques alemães Leopard 2 para a reconquista de território perdido, dizem analistas Foto: CHRISTOF STACHE/AFP

Ucrânia quer reconquistar todos os territórios ocupados

Os países ocidentais continuam a fornecer armamento à Ucrânia para a ajudar a defender-se. No início do ano, após longa hesitação, o chanceler alemão Olaf Scholz concordou em fornecer tanques de batalha alemães, depois de decisões nesse sentido dos EUA e outros países da NATO.

O tanque alemão do tipo Leopard 2 pode ajudar a "compensar a flagrante desvantagem dos ucranianos no campo de batalha", escreveu o político do partido conservador CDU e coronel na reforma, Roderich Kiesewetter, à DW. Mas a eficácia do fornecimento dos tanques dependerá "do número e do tempo de entrega", alertou.

A Ucrânia aposta nos tanques para mais do que a defesa de ataques russos. O perito em segurança Nico Lange considera que "as hipóteses militares da Ucrânia de retomar completamente o território e restaurar a paz desta forma são realistas". Lange acredita "que Putin só estará disposto a negociar quando a situação militar favorecer de tal forma a Ucrânia, que ele não possa tirar qualquer proveito desta guerra de agressão".

Dois cenários militares

O general alemão na reforma Helmut Ganser não partilha a convicção. Num artigo no "Journal for International Politics and Society" no início de fevereiro, Ganser esboça dois cenários possíveis para uma ofensiva ucraniana em direção ao Mar de Azov com a ajuda de tanques ocidentais. Na versão mais pessimista, não conseguirá superar a defesa russa, fornecendo à Rússia mais material de propaganda.

O cenário mais otimista, diz Ganser, é ainda mais perigoso. Supondo que as unidades de tanques avancem até ao Mar de Azov para chegar à Crimeia, Putin poderia expandir "a zona de guerra global para o território dos Estados ocidentais que fornecem apoio". O ex-general adverte: "Cresce o perigo de um deslize lento e não intencional para a maior de todas as catástrofes na Europa".

Putin quer libertar Donbass, Zelensky quer a Crimeia

06:05

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Para o analista Lange, a ameaça nuclear da Rússia é "um instrumento de guerra psicológica". Uma reconquista da Crimeia não é só "militarmente concebível", diz, mas mesmo necessária por motivos de política de paz. "Precisamente porque a Crimeia seria a maior perda de face possível para Vladimir Putin, a pressão militar sobre a Crimeia é uma forma de conseguir que a Rússia se disponha a negociar", explica.

Qual é o limite?

As opiniões divergem sobre se a pressão militar aumenta a disponibilidade da Rússia para negociar ou agrava o perigo de uma guerra mundial nuclear. O chanceler Scholz insiste que a Alemanha não deve, em circunstância alguma, envolver-se na guerra. O que explica a longa hesitação em relação ao fornecimento de tanques de combate. Atualmente, Scholz rejeita liminarmente a entrega de aviões de combate à Ucrânia. Também o Presidente Biden não prometeu aviões de combate a Zelensky.

O político Roderich Kiesewetter diz que, em princípio, não colocaria limitações ao tipo de armas a fornecer. Na ótica do direito internacional, "só se torna uma parte de uma guerra quem para lá envia os seus próprios soldados", uma possibilidade que exclui.

O Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky quer reconquitar todo o território ocupado pela Rússia.Foto: President Of Ukraine/ZUMA Press Wire Service/dpa/picture alliance

Objetivos de paz incompatíveis

Mas mesmo nos países que apoiam a Ucrânia há a perceção de que, no final, a Ucrânia terá que aceitar compromissos para pôr cobro à guerra. O jornalista Roman Goncharenko da redação ucraniana da DW diz que não se vislumbra qualquer sinal desta noção na Ucrânia. "Nas primeiras semanas após a invasão, Kiev estava pronto a fazer concessões, como garantir a neutralidade em vez de aderir à NATO. Mas a brutalidade do exército russo e a anexação de outros territórios tornaram a busca de um compromisso quase impossível", explica.

Uma sondagem encomendada pela Conferência de Segurança de Munique concluiu que 93% dos ucranianos veem a retirada total da Rússia, incluindo da Crimeia, "como a condição prévia para um cessar-fogo", acrescenta Goncharenko.

O cientista político Johannes Varwick, da Universidade de Hallex, diz que é uma condição irrealista. "Muito provavelmente, acabará por haver uma Ucrânia neutra que não se enquadrará claramente na esfera de influência ocidental ou russa", disse Varwick à DW. O pesquisador insta o ocidente a tomar a iniciativa na negociação da paz. "Se, no final de uma guerra longa guerra, tivermos o mesmo resultado que hoje seria possível, então não faz sentido continuar a combater e matar e traumatizar dezenas de milhares de pessoas", defende.

Sinais de paz genuínos?

A embaixada russa em Berlim escreveu num post nas redes sociais de 14 de fevereiro: "Qualquer batalha termina em negociações, estamos prontos para negociar. Mas apenas sem condições prévias, com base na realidade prevalecente e em relação aos objetivos que foram anunciados publicamente por nós".

A afirmação não denota vontade de compromisso. A "realidade prevalecente" inclui a ocupação russa de cerca de um quinto do país, enquanto um dos "objetivos" é a erradicação completa do Estado ucraniano.

Na Conferência de Segurança de Munique, a China anunciou um plano de paz, do qual se desconhecem ainda pormenores. Os governos ocidentais reagiram com ceticismo, tendo em conta que a China nunca condenou a invasão russa da Ucrânia. O responsável dos Negócios Estrangeiros norte-americano, Antony Blinken, receia mesmo que a China possa estar a planear fornecer armas à Rússia, o que Pequim nega.

Vitória militar ou compromisso pela paz

O publicista americano Jeffrey Sachs escreveu no semanário britânico "Economist" ser crucial para uma paz duradoira que os sejam preservados "os interesses de segurança mais importantes dos dois lados". A soberania e a segurança da Ucrânia devem ser garantidas, mas a NATO deve comprometer-se "a não se expandir para leste". Sachs espera impulsos de paz vindos sobretudo dos estados que se recusaram a condenar a Rússia no Conselho de Segurança da ONU, nomeadamente a China, Índia, Brasil e África do Sul. "Estes estados não são contra os russos, ou contra os ucranianos", diz Sachs. "Eles não querem que a Rússia conquiste a Ucrânia, nem que a NATO se expanda para Leste".

Já o político Kiesewetter adverte contra concessões a Moscovo: "É um conceito errado que tudo o que se tem de fazer é dar à Rússia algum território para saciar a fome de destruição de Moscovo. Pelo contrário, seria apenas um convite para outros regimes autocráticos redesenharem fronteiras recorrendo à ameaça nuclear ". A China já hoje considera a Europa um "campo de ensaio" no que diz respeito à soberania de Taiwan, acredita Kiesewetter.

Um ano após o início de guerra duas escolas de pensamento continuam a colidir: a solução passa exclusivamente por uma vitória militar contra os agressores russos? Ou a Ucrânia e os seus apoiantes devem aceitar compromissos? Tal como a própria guerra, o desfecho do debate está em aberto.