Ucrânia: Reação "não-alinhada" em África não surpreende
Lusa
4 de março de 2022
Quase metade dos países africanos escolheram não apoiar a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que condenou a invasão russa da Ucrânia. Voto não foi uma surpresa, dizem especialistas.
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"O instinto de muitos países africanos é o não-alinhamento e este voto não foi uma surpresa", disse à Lusa o diretor do Programa Africano da Chatham House, Alex Vines.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia, que já matou mais de 2.000 civis, incluindo crianças, e já provocou mais de um milhão de refugiados.
Poucos países africanos condenaram oficialmente a guerra, ao contrário do Ocidente, que reagiu com veemência, sanções, pedidos de investigações sobre crimes de guerra e ameaças de fazer parar a economia russa.
28 países africanos aprovam resolução
Apenas 28 dos 54 Estados do continente aprovaram, na quarta-feira (02.03), uma resolução da Assembleia-Geral da ONU que condena a invasão e exige a retirada imediata das tropas russas.
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Dos 193 Estados-membros das Nações Unidas, 141 apoiaram o texto e apenas cinco votaram contra: a própria Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte e a Eritreia, um dos regimes mais herméticos do mundo.
Entre os 54 países africanos, 16 abstiveram-se: Argélia, Angola, Burundi, República Centro-Africana, República do Congo, Madagáscar, Mali, Moçambique, Namíbia, Senegal, África do Sul, Sudão do Sul, Sudão, Uganda, Tanzânia e Zimbabué.
Além disso, os lusófonosGuiné-Bissau e Guiné Equatorial, além do Burkina Faso, Essuatíni, Etiópia, Guiné-Conacri, Marrocos, Camarões e Togo não participaram na votação.
Alianças históricas
"Tem que ver com questões históricas, com alianças históricas, e também com questões económicas atuais de ligação à Rússia", disse à Lusa a investigadora Ana Lúcia Sá, do Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa.
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Muitos países africanos têm ligações históricas com a Rússia, devido à participação da União Soviética nas lutas de libertação colonial, e alguns dos líderes africanos atuais estudaram na União Soviética, que durante a Guerra Fria se apresentava como baluarte contra o neocolonialismo ocidental.
Neste contexto, Alex Vines não se surpreende que uma parte significativa dos países africanos tenha mantido, na votação de quarta-feira, uma posição de não-alinhamento, nomeadamente países como Angola, Moçambique ou outros governos saídos dos movimentos de libertação, como a Namíbia, África do Sul ou o Zimbabué.
O especialista lembra até que houve mais países africanos a apoiar a resolução de quarta-feira do que os que, em março de 2014, votaram a favor da resolução sobre a anexação russa da Crimeia. Nessa altura, apenas 18 países africanos votaram a favor da resolução e dois - Sudão e Zimbabué - votaram contra.
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Abstenção do Senegal surpreende
O investigador mostrou-se apenas surpreendido com a abstenção do Senegal e com o voto contra da Eritreia. "Esperava que o Senegal votasse ao lado da Costa do Marfim, do Gana e da Nigéria em apoio da resolução", disse Vines, admitindo que a opção de se abster possa significar que Dacar procura diversificar mais as suas relações internacionais.
Quanto à Eritreia, o especialista diz que o país "se especializou em ser uma exceção, joga com sua reputação de 'reino eremita'", devendo esperar "extrair alguma recompensa da Rússia" com o seu voto.
Questionado sobre se as atuais relações económicas e militares entre Moscovo e os Estados africanos poderão ter tido influência na votação, Vines lembrou que três dos países que a Rússia tem "cultivado" - República Centro-Africana, Sudão e Mali, acabaram por se abster e não votar contra a resolução.
Quanto a eventuais consequências do não-alinhamento de uma parte dos países africanos para as relações com o ocidente, Ana Lúcia Sá lembrou que as relações com o continente africano "têm sido muito mais pragmáticas do que ideológicas", pelo que se for útil uma relação económica forte, estas posições não deverão provocar danos. "Por isso é que são abstenções e não votos contra", disse.
Rússia - Ucrânia: Uma cronologia das relações que levaram a guerra à Europa
Ao invadir a Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin foi acusado pelos países ocidentais de provocar uma guerra na Europa. Veja aqui a cronologia dos acontecimentos que levaram à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Foto: UMIT BEKTAS/REUTERS
2004
O candidato pró-Rússia, Viktor Yanukovich (na foto), é declarado Presidente, mas alegações de fraude eleitoral provocam um movimento de protesto. Conhecida como a Revolução Laranja, a iniciativa força uma nova votação, que resulta na eleição do pró-ocidental Viktor Yushchenko.
Foto: Reuters/T. Makeyeva
2005
Um ano mais tarde, o novo Presidente, Viktor Yushchenko, promete retirar a Ucrânia da órbita de Moscovo e conduzi-la em direção à NATO e União Europeia. Durante a sua campanha em 2004, Yushchenko sofreu uma tentativa de assassinato por envenenamento que o deixou desfigurado. Desde então, fez uma recuperação física total.
Foto: picture-alliance/dpa/Sputnik/A. Vitvitsky
2008
Na cimeira de Bucareste, a NATO concorda em iniciar o processo de adesão da Ucrânia e da Geórgia. "Acordámos hoje que estes países se tornarão membros da NATO", lê-se na declaração da cimeira. Na mesma cimeira, o Presidente russo, Vladimir Putin (na foto), avisou que as relações com o Ocidente dependeriam do respeito pelos interesses do seu país.
Foto: Vladimir Rodionov/dpa/picture-alliance
2010
Viktor Yanukovich derrota Yulia Tymoshenko nas presidenciais e torna-se chefe de Estado. As eleições foram consideradas justas por observadores internacionais. Uma semana antes da assinatura do acordo com a UE, Yanukovich suspende o processo e anuncia que a Ucrânia prefere juntar-se à Rússia na União Aduaneira Eurasiática.
Foto: Reuters
2013 e 2014
A decisão de Yanukovich gera uma onda de protestos de apoiantes da integração europeia. O movimento chamado "Euromaidan", por centrar as manifestações na Praça Maidan, em Kiev, tornam-se violentos. Dezenas de manifestantes são mortos, mas o Presidente acaba por ser retirado do Governo, exilando-se na Rússia.
Foto: Tomas Rafa
2014 - anexação da Crimeia
Em março, a Rússia anexa a península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia.
Em abril, separatistas com apoio de Moscovo declaram a independência das "repúblicas" de Luhansk e de Donetsk, na região oriental ucraniana do Donbass, iniciando uma guerra que provoca 14 mil mortos em oito anos.
Foto: Imago Images
2019
O ex-ator e comediante Volodymyr Zelensky é eleito Presidente da República em 21 de abril e promete pôr fim ao conflito no leste da Ucrânia. Em 2021, apela ao novo Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, para apoiar a adesão da Ucrânia possa à NATO, colocando o país em novamente nos trilhos rumo à Europa.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Sivkov
2021 - Março até Novembro
O Governo russo estaciona tropas perto da fronteira da Ucrânia, alegando treinos miltares.
A Ucrânia acusa Putin de ter concentrado 100 mil tropas e armamento pesado nas suas fronteiras, o que motiva um pedido de explicação dos EUA ao Kremlin. Putin acusa o Ocidente de exacerbar tensões "entregando armas modernas a Kiev e conduzindo exercícios militares provocatórios" no Mar Negro.
Foto: Maxar Technologies via REUTERS
2021 - Dezembro
Biden adverte que a Rússia será alvo de sanções económicas duras se invadir a Ucrânia.
Moscovo divulga as suas exigências ao Ocidente: tratados a proibir a adesão da Ucrânia e da Geórgia à NATO, o estabelecimento de bases militares no leste e a retirada de tropas aliadas da Roménia e da Bulgária, num regresso à situação anterior a 1997.
Foto: Brendan Smialowski/AFP
2022 - 10 de Fevereiro
Tropas russas e bielorrussas iniciam dez dias de exercícios de combate próximo da fronteira da Bielorrússia com a Ucrânia. A presença destas tropas gera mais preocupação na comunidade internacional, que vê os exercícios como um posicionamento estratégico das tropas russas, dando-lhes mais um ponto de entrada na Ucrânia.
Foto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance
2022 - 21 de Fevereiro
Os líderes das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Luhansk pedem a Putin para as reconhecer como Estados independentes. Putin assina os decretos em que a Rússia reconhece a independência das regiões e ordena ao exército russo que envie uma missão de "manutenção da paz" para os territórios no leste da Ucrânia.
A NATO acusa Moscovo de fabricar um pretexto para invadir a Ucrânia.
Foto: Alexei Alexandrov/AP Photo/picture alliance
2022 - 22 de Fevereiro
Zelensky pede ao Ocidente "medidas de apoio claras e eficazes", assegura que os ucranianos "não vão ceder uma única parcela do país" e responsabiliza a Rússia por tudo o que acontecer.
Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, diz que tomou medidas para interromper a certificação do gasoduto Nord Stream 2, numa decisão saudada pela UE e pelos EUA.
Foto: Clemens Bilan/Getty Images
2022 - 24 de Fevereiro
Tropas russas entram na Ucrânia e muitos locais são atingidos por mísseis. Vladimir Putin pronuncia um discurso no qual afirma que apenas alvos militares serão atingidos. Mas relatos de civis feridos e vídeos de ataques em zonas urbanas enchem as redes sociais. Várias baixas são reportadas nas primeiras horas do conflito.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
2022 - 24 de Fevereiro
Edifícios residenciais civis atingidos durante a operação militar do Kremlin contra a Ucrânia. Relatos, vídeos e pedidos de ajuda surgem nas redes sociais, expondo vários cenários em que zonas urbanas e civis foram apanhados na destruição dos ataques militares.
Foto: UMIT BEKTAS/REUTERS
2022 - 24 de fevereiro
Muitas pessoas utilizaram as estações de metro em Kiev como abrigo durante a operação militar do Kremlin. As sirenes contra ataques aéreos soaram pela primeira vez desde a 2ª Guerra Mundial. As estações encheram-se de pessoas à procura de guarida.
Foto: Zoya Shu/AP/dpa/picture alliance
2022 - 24 de Fevereiro
Protestos contra a iniciativa militar do Kremlin surgem em vários países, incluindo na Rússia. Na foto, uma manifestante russa é detida pela polícia enquanto segura um cartaz que diz "Não à guerra!".