1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

UE decide rever relações comerciais com Israel

Tessa Walther
21 de maio de 2025

Perante a crescente pressão sobre Gaza, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE afirmam que tencionam rever as suas relações comerciais com Israel, mas não anunciam quaisquer medidas firmes.

A chefe da política externa da União Europeia, Kaja Kallas, fala aos representantes da comunicação social antes de uma reunião dos ministros da defesa da UE
Chefe da política externa da União Europeia, Kaja KallasFoto: Virginia Mayo/dpa/picture alliance

Embora as expetativas de um grande avanço fossem modestas, a reunião de terça-feira (20.05) dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE), em Bruxelas, apresentou o que os analistas dizem ser um pequeno, mas significativo desenvolvimento: a chefe dos negócios estrangeiros da UE, Kaja Kallas, anunciou uma revisão da parceria comercial do bloco com Israel.

Este é o primeiro passo formal em resposta aos crescentes apelos à adoção de medidas mais duras contra a atual crise humanitária em Gaza.

À medida que Israel intensifica a ofensiva militar que começou no início de maio na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, e continua a controlar a entrada de ajuda em Gaza, aumenta a pressão sobre Bruxelas por parte de vários Estados-Membros da UE para que envie um sinal forte ao governo israelita.

Na terça-feira, Kallas anunciou que a Comissão Europeia iria rever o Acordo de Associação UE-Israel,  um pacto de comércio livre que rege as relações políticas e económicas entre as duas partes.

Embora se tenha congratulado com a notícia de que Israel autorizou a entrada de alguma ajuda humanitária em Gaza, após um bloqueio de 11 semanas, Kallas afirmou que se tratava de uma "gota no oceano", uma vez que a situação era "catastrófica".

Israel acusa UE de "total incompreensão"

Israel rejeitou, entretanto, as críticas de Kallas.

"Rejeitamos completamente a direção tomada na declaração, que reflete uma total incompreensão da complexa realidade que Israel enfrenta", publicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita no X, na terça-feira (20.05).

Dez países não apoiaram a revisão da UE, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel agradeceu a essas nações.

Ajuda ainda não é suficiente

As Nações Unidas disseram na terça-feira que tinham recebido autorização para enviar cerca de 100 camiões de ajuda para Gaza, numa altura em que a assistência humanitária começava a chegar ao território.

No entanto, as Nações Unidas já mencionaram anteriormente que são necessários 500 camiões de ajuda e bens comerciais por dia.

“Rejeitamos completamente a direção tomada na declaração, que reflete uma total incompreensão da complexa realidade que Israel enfrenta”, diz o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita Foto: Hatem Khaled/REUTERS

Em março, Israel quebrou um cessar-fogo temporário com o grupo militante Hamas, sediado em Gaza, e voltou a reforçar as restrições ao acesso humanitário.

Em abril, a União Europeia anunciou um pacote de apoio financeiro de três anos para os palestinianos em Gaza e na Cisjordânia, no valor de 1,6 mil milhões de euros.

Kallas sublinhou que este apoio deve ser canalizado. "É o dinheiro europeu que está a financiar esta ajuda e tem de chegar às pessoas", afirmou.

"Totalmente desproporcionadas"

A reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em Bruxelas teve lugar pouco depois de os líderes da França, do Reino Unido e do Canadá terem emitido uma rara declaração conjunta condenando a última ofensiva de Israel em Gaza e classificando as suas restrições à ajuda como "totalmente desproporcionadas" e possivelmente em violação do direito humanitário internacional. Alertaram para "novas ações concretas” se o acesso humanitário não for restabelecido, mas não definiram quais seriam essas ações.

"Estamos a chegar a um ponto de viragem", afirmou Hugh Lovatt, membro sénior do Conselho Europeu de Relações Externas, em entrevista à DW. "A dimensão da destruição, as deslocações forçadas, o colapso das infraestruturas humanitárias - tudo isto ultrapassa os limites de qualquer autodefesa razoável".

Em março, Israel quebrou um cessar-fogo temporário com o grupo Hamas e voltou a reforçar as restrições ao acesso humanitárioFoto: REUTERS

Ao longo dos últimos 18 meses, Israel tem afirmado continuamente que a sua campanha militar em Gaza é uma resposta legítima aos ataques liderados pelo Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, nos quais cerca de 1.200 pessoas foram mortas e mais de 200 foram feitas reféns, invocando o seu direito à autodefesa ao abrigo do direito internacional.

Espanha apela sanções

Alguns Estados-Membros da UE, nomeadamente a Espanha, a Irlanda, os Países Baixos e a França, apelaram a uma revisão formal das relações comerciais do bloco com Israel. Estas são regidas pelo Acordo de Associação UE-Israel, que inclui uma cláusula - o artigo 2.º - que permite a sua suspensão em caso de violações graves dos direitos humanos.

"Uma vez provadas as violações dos direitos humanos, o acordo poderá ser suspenso", afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, em Paris, na terça-feira (20.05), acrescentando que tal decisão teria impacto no comércio com Israel.

Lovatt salientou que "Israel beneficiou durante muito tempo de um sentimento de excecionalidade no seio da UE e foi protegido por sensibilidades políticas". Este facto protegeu o país da plena aplicação do direito internacional e comunitário. "É aqui que vemos que a UE adotou dois pesos e duas medidas em relação a Israel, que não são contestados", acrescentou.

A invocação do artigo 2.º do Acordo de Associação UE-Israel não só é legalmente justificada, como já devia ter sido feita há muito tempo.

"A UE já utilizou instrumentos jurídicos semelhantes pelo menos 26 vezes no passado em resposta a violações dos direitos humanos por parte de outros países parceiros, o que não significa reinventar a roda", afirmou.

O eurodeputado citou o exemplo da imposição de sanções significativas ao setor financeiro russo após a anexação da Crimeia e a posterior invasão da Ucrânia. "Estas sanções vão muito além das que estão atualmente a ser consideradas contra Israel", disse.

Conflitos na Ucrânia e Faixa de Gaza ganham novos contornos

06:05

This browser does not support the video element.

UE está dividida

Desde outubro de 2023, Estados da UE como a Alemanha, a Áustria, a Hungria e a Chéquia apoiaram firmemente o direito de Israel à autodefesa e hesitaram em apoiar quaisquer medidas punitivas.

A Alemanha tem sublinhado repetidamente a sua responsabilidade histórica para com Israel. O Presidente alemão Frank-Walter Steinmeier visitou o país no início deste mês para assinalar os 60 anos de relações diplomáticas e reunir-se com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu - mesmo quando o líder israelita enfrenta uma investigação aberta pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por alegados crimes de guerra em Gaza.

A visita põe em evidência o difícil equilíbrio de muitos governos da UE, que mantêm laços estreitos com Israel enquanto o país enfrenta um crescente escrutínio internacional.

Outros Estados-Membros da UE, nomeadamente a Irlanda, a Bélgica e a Espanha e, mais recentemente, a França, têm manifestado mais claramente a sua frustração com as operações militares de Israel em Gaza e com a crise humanitária que ali se vive.

Na terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, apelou à imposição de sanções contra Israel e instou a UE a agir de forma decisiva para evitar uma catástrofe humanitária.

Mas James Moran, antigo embaixador da UE no Médio Oriente e agora membro sénior do Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS), disse que os desentendimentos internos sobre as ações de Israel em Gaza tinham efetivamente alienado a UE.

A UE está "politicamente paralisada", disse à DW. "Sem unanimidade, o máximo que pode fazer é financiar a ajuda humanitária e apoiar os esforços diplomáticos liderados por outros", sublinhou.

A Alemanha tem sublinhado repetidamente a sua responsabilidade histórica para com IsraelFoto: Thomas Imo/AA/IMAGO

Pouca ação da UE

Com pouca ação à vista a nível da UE, vários países resolveram tratar do assunto com as suas próprias mãos. A Noruega, a Irlanda e a Espanha reconheceram formalmente o estatuto de Estado da Palestina no ano passado, e especula-se que a França e a Bélgica poderão em breve fazer o mesmo.

Isto envia uma mensagem clara, sublinhou Lovatt: se a UE não agir coletivamente, os Estados-Membros estão dispostos a agir sozinhos.

"Durante demasiado tempo, a UE apoiou-se no processo de Oslo como uma muleta política", afirmou. "Mas esse processo está efetivamente morto. Continuar a fingir o contrário só prejudica os interesses europeus", considerou.

O processo de Oslo teve início após a assinatura dos Acordos de Oslo, uma série de acordos de paz celebrados na década de 1990 entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP). O objetivo era lançar as bases para uma solução baseada na existência de dois Estados, mas com o tempo o processo perdeu credibilidade devido ao impasse das negociações e à violência contínua.

À medida que a crise humanitária em Gaza se agrava, aumentam as expetativas de que Bruxelas transponha a sua retórica para a ação Foto: Hatem Khaled/REUTERS

Teste de credibilidade

À medida que a crise humanitária em Gaza se agrava, aumentam as expetativas de que Bruxelas transponha a sua retórica para a ação e utilize plenamente os instrumentos à sua disposição.

"A UE é um ator político muito importante, um ator económico e também um ator humanitário", disse Abdullah Al Rabeeah, diretor do Centro Saudita de Ajuda Humanitária e Socorro do Rei Salman.

"Temos de nos juntar à comunidade internacional para exercer a pressão necessária sobre Israel para que abra todos os corredores e permita que a ajuda humanitária chegue aos necessitados", acrescentou.

Moran, antigo embaixador da UE, rejeitou as repetidas afirmações de Israel de que a ajuda humanitária está a ser desviada para o Hamas. "Isso é, em grande parte, propaganda", afirmou. "O desvio pode acontecer em casos isolados, mas a questão mais importante é a utilização por Israel das restrições à ajuda como arma de guerra. A ONU já o disse", frisou.

Hugh Lovatt, especialista no conflito israelo-palestiniano, afirmou que "a credibilidade da Europa como ator global está a ser testada em Gaza". "Se a UE não consegue responder aqui, onde as suas próprias leis, valores e interesses estão em jogo, então onde é que pode?", questionou.