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Julgamento das dívidas ocultas só protegeu figuras políticas

23 de agosto de 2022

Iniciado há um ano, o processo das "dívidas ocultas", que lesaram o Estado moçambicano em mais de 2,2 mil milhões de dólares, apenas protegeu políticos e não serviu de lição para o combate à corrupção, lembram analistas.

Atual Presidente de Moçambique (esq.), Filipe Nyusi; Armando Guebuza, ex-chefe de Estado (centro); e Manuel Chang, antigo ministro das Finanças
Atual Presidente de Moçambique (esq.), Filipe Nyusi; Armando Guebuza, ex-chefe de Estado (centro); e Manuel Chang, antigo ministro das Finanças Foto: Reuters/Nacarino

No início do processo das dívidas ocultas, a 23 de agosto de 2021, esperou-se que o combate à corrupção ganhasse tração em Moçambique. Mas um ano depois do arranque do julgamento do maior escândalo financeiro do país, essas expetativas saíram frustradas, comenta o jurista Elvino Dias.

"Se olharmos para as estatísticas, estas apontam que Moçambique é tido como um dos países mais corruptos do mundo, por isso mesmo não vejo este julgamento como algo que vai mudar o quadro de corrupção em que o país se encontra", lamenta.

No Índice de Perceção da Corrupção de 2021, da organização Transparência Internacional, Moçambique ficou na posição 147, abaixo de Angola e no mesmo patamar de Madagáscar e do Bangladesh. O país ganhou apenas um ponto em relação ao ano anterior.

Para Baltazar Fael, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), as instituições moçambicanas continuam a ser "fracas" no combate à corrupção. "E numa instituição que é fraca, facilmente entra a corrupção e é possível manipular as coisas de modo a que aqueles, que pretendem fazer, com essas instituições facilmente o façam", sublinha.

Nyusi, Gebuza e FRELIMO "poupados"

O diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, questiona a ausência no julgamento das dívidas ocultas de peças-chave para entender o escândalo, como o atual Presidente Filipe Nyusi e o antigo chefe de Estado Armando Guebuza.

Nyusi era, na altura dos acontecimentos, o responsável pela pasta da Defesa, área em que atuavam as empresas que pediram os empréstimos ocultos à revelia do Parlamento, e Guebuza era o líder do Governo.

Mas há mais pessoas que deviam ser chamadas ao banco dos réus, entende Nuvunga. "Incluindo o antigo governador do Banco de Moçambique - a assinatura dele foi chave para essa operação acontecer, mas está a ser protegido pelo Tribunal Administrativo. E Isaltina Lucas, que era tesoureira", enumera.

Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza

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Também o advogado Elvino Dias lamenta a ausência de várias figuras do partido do poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), que foram citadas em Nova Iorque no julgamento de Jean Boustani, diretor executivo do grupo Privinvest, envolvido no escândalo.

"Fez-se referência ao partido FRELIMO, que recebeu 10 milhões de dólares. Porque não se fez menção desses dinheiros que fazem parte das dívidas ocultas? Para além do partido FRELIMO, temos quadros seniores do Banco de Moçambique que deviam estar na barra do tribunal", defende.

As justificações de Efigénio Baptista

Durante o julgamento, o juiz da causa Efigénio Baptista esclareceu as ausências do Presidente Filipe Nyusi e de Armando Guebuza como réus neste processo. "O Presidente Guebuza e a sua esposa, nas contas deles, não têm recebimento de nenhum valor da Privinvest. O Presidente Nyusi idem, não tem nada", justificou.

O jurista Elvino Dias acredita que este terá sido mais um julgamento político, para lavar a imagem de Moçambique no panorama internacional.

"O Fundo Monetário Internacional (FMI) retomou as relações de cooperação com Moçambique e, muito recentemente, o Banco Mundial firmou parcerias com Moçambique, o que significa que este julgamento era necessário para desanuviar esta tensão que o país estava a enfrentar com as instituições financeiras internacionais", argumenta.

O juiz Efigénio Baptista marcou a sentença do caso das dívidas ocultas para 30 de novembro de 2022.

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