Uma tentativa de golpe na Guiné-Bissau?
4 de dezembro de 2023O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, insiste que os tiroteios da semana passada foram uma tentativa de golpe de Estado. E não esperou pelos resultados da comissão de inquérito que prometeu criar esta semana. Anunciou logo a dissolução do Parlamento. Não ouviu o presidente do órgão, nem os partidos políticos - e não respeitou os prazos definidos na Constituição.
"Enquanto chefe de Estado, tomei a decisão de dissolver o Parlamento por causa da tentativa do golpe de Estado de 1 de dezembro", anunciou Sissoco esta segunda-feira (04.12) de manhã. "Entendi que o Parlamento é sempre o foco de instabilidade. Por isso, o povo será chamado às urnas, porque não vou permitir desordem e desmandos."
Sissoco considera que a Constituição é pouco clara sobre estas questões. E este é um momento de exceção no país, justificou o Presidente da República: "O 1 de dezembro foi o fim da macacada. O legislador não pode prever tudo e não fala de [tentativa de] golpe. Porque se se consumasse o golpe de Estado, iríamos suspender a Constituição e ficava um comité militar."
O que diz a Constituição
Mas o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia classifica a decisão do Presidente guineense como "inválida e sem força jurídica".
"É uma decisão inconstitucional, porque viola o artigo 94.º da Constituição, que diz que o Parlamento não pode ser dissolvido no período de um ano após a sua eleição. A atual legislatura começou com a eleição, que foi em junho. Ainda não se completou um ano. Portanto, a Constituição proíbe o Presidente da República de dissolver o Parlamento", disse Bacelar Gouveia em declarações à agência Lusa.
O presidente da Assembleia Nacional Popular também cita o artigo da Constituição referido pelo constitucionalista Bacelar Gouveia. E diz que a dissolução do Parlamento abre a porta a protestos no país.
Devido ao que está no artigo 94.º, "o ato é nulo e inexistente", afirma Domingos Simões Pereira.
"O Presidente da República não vai conseguir livrar-se desta Assembleia Nacional Popular se não for por via de mais um crime contra a soberania deste país. Esta decisão é uma convocação automática ao povo para sair às ruas em defesa da democracia."
MADEM-G15 está satisfeito
Em nome da bancada parlamentar do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), líder da oposição, o general na reserva Sandji Fati veio a público colocar-se do lado do Presidente da República.
Ao mesmo tempo, Fati, que é também conselheiro de Sissoco, criticou as declarações do líder do Parlamento que, segundo o político, "revelam uma pessoa preocupada".
"O apelo à população para a insurreição não vai pegar na Guiné-Bissau. Que cada um fique em sua casa para continuarmos a caminhada que estamos a fazer. As pessoas estão a pedir reconciliação, mas afinal queriam fazer um golpe de Estado", afirmou.
Presidente da República autoproclama-se ministro
Sissoco Embaló anunciou, entretanto, que o Governo de Geraldo Martins ficará em gestão. E anunciou esta tarde que "decidiu assumir todas as estruturas de Defesa e Segurança".
"A partir deste momento, sou eu o ministro do Interior e da Defesa, até às novas eleições", acrescentou o chefe de Estado.
Nas últimas horas, as instalações dos órgãos de comunicação social foram ocupadas por militares fortemente armados. As rádios só passam música.
O Presidente da República ainda não apresentou provas da alegada tentativa de golpe de Estado. Também não explicou o que é que o tiroteio da semana passada, entre forças de segurança, supostamente para resgatar dois membros do Governo, tem a ver com o Parlamento guineense.
O presidente da Assembleia Nacional Popular, Domingos Simões Pereira, diz que está na hora de o Presidente apresentar provas das suas alegações.
"O Presidente disse que sabe a verdade e tem as provas. Sendo assim, que as apresente publicamente imediatamente ou que deixe as instituições fazerem o seu trabalho e revelarem a verdade dos factos", apelou Simões Pereira. "Não é por via de palavrões, de ameaças e insultos que o Presidente terá razão, nem será por via do silenciamento das instituições.
O constitucionalista Bacelar Gouveia diz que, à luz da lei, o Presidente deve ser investigado por este ato. "Até se pode levantar a questão de os tribunais poderem sindicar e fiscalizar a validade deste ato que, como disse, é inválido", concluiu.