Luaty Beirão está retido em Portugal há quatro meses. Tudo isto devido às restrições do decreto presidencial, que impedem o seu regresso a Angola, alegadamente por não estar vacinado contra a Covid-19.
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A lei, que o ativista angolano diz ser inconstitucional, não permite a entrada no país sem a vacina contra a Covid-19. O rapper reafirma, em entrevista à DW, a intenção de avançar com uma queixa contra o Estado angolano.
Luaty Beirão considera que as práticas de violação dos direitos humanos prevalecem e que são legítimas as novas formas de protesto para se contornar as prisões arbitrárias dos que se manifestam contra o regime sem medo.
Retido em Portugal contra a sua vontade
Luaty Beirão deslocou-se a Portugal a 12 de dezembro para uma semana de trabalho. Mas como não está vacinado contra a Covid-19, não consegue regressar a Angola por imposição do decreto presidencial 241/22, de outubro de 2022. O ativista angolano considera a lei inconstitucional por afetar a liberdade de circulação: "É uma norma infralegal", comenta.
"JLo deve ser processado por medidas inconstitucionais"
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No entanto, a lei aligeirou um conjunto de medidas sobre o uso de máscaras e de testes, não sendo obrigatória a sua apresentação à chegada. Também foi dissolvida a comissão multisetorial, em consonância com o que está a ser feito no resto do mundo. "Por outro lado, decide tornar obrigatória a vacinação para passageiros saindo e entrando em Angola, e não faz discriminação sobre a nacionalidade desses passageiros, criando assim uma situação em que cidadãos nacionais ficam impedidos de voltar ao seu país pelo simples facto de não terem a vacina, ainda que tenham o teste negativo a comprovar que não estão com Covid-19."
Luaty Beirão vai fazer queixa
É "uma total aberração", considera Luaty Beirão. O ativista mantém a pretensão de apresentar queixa contra o Estado angolano: "É minha intenção fazer isso porque, no meu entender, é um abuso do poder que já devia ter sido corrigido. Preciso de conseguir algum advogado que me dê suporte nessa intenção."
Luaty Beirão diz que escreveu ao Presidente João Lourenço na rede social Twitter a denunciar a "norma absurda", mas "há um silêncio ensurdecedor como se nada estivesse a acontecer". A isto o ativista soma críticas às autoridades angolanas, que não estão a zelar pelo cumprimento efetivo do decreto, afirmando, por exemplo, que saiu de Angola sem qualquer impedimento.
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"Novas formas de protesto são legítimas"
Entretanto, Luaty Beirão reforça o apoio às novas formas de protesto em Angola, registadas nas últimas semanas, face à "reação absurda e desproporcional" das instituições oficiais e do Governo de João Lourenço, que fazem prisões arbitrárias de pessoas que se manifestam nas ruas.
"Essas pessoas que promovem essas iniciativas não estão isentas da fúria daqueles salteadores do poder angolano, porque a única maneira de eles se manterem lá é fazendo com que o medo prevaleça. Eles sabem disso, por isso é que têm tanto medo de ver a onda de consciência [dos angolanos] a elevar-se", enfatiza o rapper.
Luaty Beirão diz que o que se assiste em Angola "é terrorismo de Estado", porque, acrescenta, continua a haver prisões arbitrárias e sequestros, "embora não sejam eficazes, porque cada vez menos as pessoas estão com disposição para viver escravas do medo", afirma.
E toda esta conjuntura, adianta, está a levar muitos angolanos a deixar Angola e a emigrarem.
"Existe um movimento invisível, que agora se tornou oficial – acho que meio paródia, mas muito sério – e é um direito fundamental, o direito à emigração. As pessoas querem vir embora e ninguém pode recriminá-las por isso, porque [Angola] é um país hostil. É um país onde não se trata a vida humana com dignidade. Então, é natural que as pessoas queiram sair."
Para o ativista, as violações dos direitos humanos em Angola continuam, nada mudou significativamente, comparado com a situação que se viveu durante o regime do Presidente José Eduardo dos Santos: "Eu não diria que a situação piorou. Diria que estamos tão mal como sempre estivemos."
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.