Comissão da União Africana (UA) condena "fortemente" a morte de "civis inocentes" na sequência violência étnica na região etíope de Oromia. Mais de 50 pessoas morreram em ataques no domingo. Organização apela ao diálogo.
Publicidade
A informação foi avançada pela Amnistia Internacional. De acordo com a organização de defesa dos direitos humanos, que cita testemunhos de sobreviventes, pelo menos 54 pessoas morreram, no domingo (01.11), em consequência de um ataque de grupos rebeldes na região de Oromia.
O Governo, através da Comissão Etíope dos Direitos Humanos, referiu pelo menos 32 mortos, mas adiantou que provas preliminares "indicam ser muito provável que esse número seja ultrapassado".
Numa declaração, esta terça-feira (03.11) presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, exortou às autoridades nacionais "para que assegurem que os autores destes crimes horrendos sejam encontrados e responsabilizados".
Assinalando um aumento da "violência interétnica" na Etiópia, o presidente da Comissão da UA apelou para que "todos os intervenientes evitem a retórica inflamatória" e trabalhem para "uma desescalada da tensão no país".
Nobel da Paz vai para primeiro-ministro etíope Ahmed Ali
01:54
Apelo ao diálogo
Por outro lado, Moussa Faki Mahamat encorajou os atores políticos a promoverem um "diálogo nacional inclusivo" e a construírem um "consenso nacional em torno das questões fundamentais".
Publicidade
"O falhanço nestas questões terá graves impactos, não apenas no país, mas em toda a região", advertiu.
As autoridades regionais de Oromia acusaram o Exército de Libertação de Oromo (OLA)de levar a cabo o ataque, afirmando que estes têm por objetivo criar caos e exercer pressão psicológica sobre os cidadãos.
Sobreviventes do ataque, citados pela Amhara Mass Media Agency, afirmaram que a etnia amara era o alvo. "O grupo armado reuniu 200 pessoas e depois começou a disparar contra elas. Várias pessoas foram mortas em resultado disso", disse um dos sobreviventes, acrescentando que uma escola e cerca de 120 casas foram queimadas. Os amara são o segundo grupo étnico mais populoso da Etiópia, depois dos oromo.
Outro sobrevivente, citado pela agência France-Presse (AFP), contou que o ataque teve lugar depois de soldados estacionados na área se terem retirado subitamente sem explicação. "Contei mais de 50 corpos e sei que outros [pessoas] foram atingidos por balas", disse.
Ajuda aos sem-abrigo na Etiópia
01:59
This browser does not support the video element.
Governo condena ataques
Numa publicação na sua página na rede social Facebook, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, denunciou o que classificou de assassínios com base na etnia. Entretanto, o Exército de Libertação de Oromo não comentou as alegações de ataque, tendo já no passado negado relatos semelhantes.
O OLA é uma fação dissidente da Frente de Libertação Oromo (OLF), que renunciou à luta armada desde que os seus líderes regressaram do exílio depois de Abiy ter chegado ao poder em 2018. O Governo responsabiliza o OLA por uma série de assassínios, bombardeamentos, assaltos a bancos e raptos em Oromia.
Segundo o Movimento Nacional Amara (NAMA), um partido da oposição, o ataque parece ter visado membros do grupo étnico amara, o segundo maior da Etiópia depois dos oromo.
Dessalegn Chanie, um membro do NAMA, disse que "pelo menos 200 amara foram cruelmente mortos" no ataque de domingo, embora tenha admitido que era difícil estabelecer um número preciso de mortos.
Esta é a minha cidade: Addis Abeba
03:33
This browser does not support the video element.
"Falha do Governo"
O político considerou ainda que o "Governo falhou no seu dever de proteger a segurança dos cidadãos" e que o sistema federal etíope baseado na língua é a principal causa das mortes. "Os amara residentes fora da região de Amara estão a ser rotulados como forasteiros e expostos a ataques repetidos", disse.
Sob este sistema, os falantes oromo vivem maioritariamente em Oromia e os falantes amáricos vivem principalmente na região de Amara, uma estrutura organizativa que dá aos habitantes locais de cada região mais voz nos seus assuntos, gerando conflitos.
Os acontecimentos na Etiópia motivaram uma reação da União Europeia, que numa declaração do alto-representante para a Política Externa, Josep Borrell, manifestou "profunda preocupação" com os recentes desenvolvimentos no país.
"Todas as partes devem agir para reduzir a tensão, eliminar a linguagem inflamatória e abster-se de destacamentos militares provocatórios. Se não o fizerem, corre-se o risco de desestabilizar o país, bem como a região em geral", disse.
Desalojados: Crise negligenciada na Etiópia
A Etiópia enfrenta uma das piores crises de desalojados do mundo - cerca de três milhões de pessoas no país fugiram das suas casas nos últimos anos.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Recomeçar
As autoridades começaram a fazer retornar à casa algumas das centenas de milhares de membros do grupo étnico Gedeo que fugiram dos ataques na região de Oromia, sul da Etiópia. Mas organizações humanitárias acusam o Governo de forçar os Gedeos a regressarem às aldeias onde perderam tudo e continuam a não sentir-se seguros.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Escassez de terra
Há cerca de dois meses, as estradas de Hinche - junto das colinas verdes da zona de Guji Ocidental - estavam vazias. Agora, quase todos da etnia Gedeo que viviam aqui regressaram, depois de fugir da violência étnica no ano passado. Guji Ocidental é parte da região de Oromia, e casa para a maior parte da etnia Oromo. O longo conflito etnico é principalmente por causa da posse de terra.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Acusações de retorno forçado
Os residentes de Hinche, bem como outros Gedeos, não tiveram outra escolha se não regressar às suas aldeias, depois de o Governo ter destruído os campos de desalojados e limitado a ajuda humanitária na zona Gedeo. Observadores acusam as autoridades de organizar retornos forçados, que entendem que irão agravar a já tensa situação.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Casas saqueadas e destruídas
Zele está contente por regressar a casa com a sua esposa e os seus seis filhos. Contudo, a vida aqui em Hinche é muito difícil, especialmente quando começa a época chuvosa. A casa de Zele foi destruída e os seus bens roubados durante a violência, então ele construiu o seu abrigo. A família vive de ajuda mensal de cerca de 40kg de grãos e dois litros de óleo.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Medo de mais ataques
Muitos dos retornados são agricultores, mas não conseguiram cultivar as suas terras desde que regressaram. Dingete agora trabalha como diarista em outra propriedade para alimentar os seus filhos. "A nossa quinta é longe daqui e estou com medo de lá ir, porque algumas pessoas disseram que viram grupos armados Oromo na região", disse ela.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esforços de reconciliação
As autoridades locais dizem que a segurança não é problema. Dizem que as milícias e as comunidades estão a trabalhar em conjunto para identificar os malfeitores. "Gedeos e Oromos acreditam que somos irmãos e que vivemos juntos. Eles têm os mesmos valores, o mesmo mercado, casam entre eles", diz Aberra Buno, o administrador da zona Ocidental de Guji.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Fraqueza da Justiça
Vários Gedeos estão frustrados com o que entedem ser a fraca atuação da Justça. Em Cherqo, mais de mil pessoas fugiram e quase todas as casas foram destruídas. "Aqueles que cometeram essas coisas não foram presos ou enfrentaram a Justiça - nem uma única pessoa foi capturada", diz Abebe, administrador de Cherqo. A Polícia de Guji diz que já deteve mais de 200 pessoas no contexto da violência.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esquecimento
As autoridades dizem ter trazido de volta quase 100% dos desalojados resultantes dos conflitos entre Gedeos e Gujis, grupo pertencente à etnia Oromo. Contudo, milhares de pessoas originárias de Guji Oriental continuam a viver na zona Gedeo, aparentemente esquecida. A ajuda alimentar parou de chegar há cerca de dois meses. Centenas de crianças vivem em condições alarmantes e não vão a escola.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Doenças e má nutrição
"Estamos a morrer a fome, as pessoas morrem de diarreia, as nossas crianças têm de sair a rua para apanhar comida no lixo e trazer para as suas famílias", diz Almaz, que vive neste campo em Dilla na zona Gedeo há mais de um ano.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
A ajuda alimentar parou
As autoridades da zona Gedeo dizem que solicitaram comida ao Governo Federal e então poderão enviar as famílias para Guji Oriental. Mas vários Gedeos não se sentem seguros para voltar. Houve diversos relatos de assassinatos étnicos de Gedeos em Guji Oriental em finais de maio.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Estatísticas incompletas
Organizações humanitárias dizem que os Gedeos que fugiram das suas casas em Guji Ocidental estão a viver em assentamentos informais ou a alugar casas. Esnfrentam dificuldades em monitorá-los e o grupo não aparece nas estatísticas oficiais. Os Gedeos também não recebem nenhuma ajuda.