Tensão entre Quénia e Somália preocupa União Africana
Lusa
21 de dezembro de 2020
A União Africana (UA) expressou "grande preocupação" pela tensão existente entre o Quénia e a Somália, depois deste país ter cortado há dias relações diplomáticas com o seu vizinho, e pede que seja reatado o diálogo.
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"As recentes tensões entre a Somália e o Quénia, dois países vizinhos, que provocaram o corte das relações diplomáticas, continuam a ser uma grande preocupação para a União Africana", disse o presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, na 38.ª Cimeira Extraordinária da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento da África Oriental (IGAD).
"Gostaria de pedir às duas partes que iniciem o diálogo com vista ao retomar das relações e peço também ao IGAD que as encoraje fortemente", sublinhou o diplomata do Chade na cimeira realizada no Djibuti.
Mahamat recordou que o Quénia é um país que contribui com tropas para a força multinacional da União Africana na Somália (AMISOM), acolhendo também uma grande comunidade de refugiados somalis.
Deixar o extremismo para trás no Quénia
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"Estou convencido de que os fortes e duradouros laços entre os dois países e povos podem superar os desafios atuais", concluiu o presidente da Comissão, numa reunião em que estiveram presentes os Presidentes do Quénia, Uhuru Kenyatta, e da Somália, Mohamed Abdullahi Farmajo, entre outros representantes.
Mahamat expressou preocupação pelo facto de, este sábado (19.12), o governo da Somália ter garantido, sem apresentar provas, que o Quénia está a armar uma milícia para atacar as tropas somalis na fronteira entre os dois países.
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Somália acusa Quénia de "ingerências"
O executivo de Mogadíscio anunciou na última terça-feira (15.12) o fim das relações diplomáticas com o Quénia, acusando-o de interferência nos assuntos internos do país. O porta-voz do governo queniano, Cyrus Oguna, garantiu então em Nairobi que o Quénia não seguirá o exemplo da Somália e que, pelo contrário, procurará uma solução diplomática.
O conflito surgiu após o presidente da região somali da Somalilândia, que se autoproclama independente, Muse Bihi Abdi, ter iniciado no dia 13 uma visita de estado de três dias ao Quénia, que abrirá um consulado naquele território.
A Somalilândia não é reconhecida internacionalmente, embora tenha constituição, moeda e governo próprios e apresente melhores índices de desenvolvimento económico e estabilidade política do que a Somália.
As relações diplomáticas entre o Quénia e a Somália já se deterioraram no ano passado, quando o Quénia acusou a Somália de leiloar quatro blocos de petróleo numa zona costeira disputada, uma acusação que a Somália negou.
O Quénia invadiu a Somália em outubro de 2011, depois de uma série de sequestros no seu território atribuídos ao grupo jihadista somali Al-Shabab, apesar de tropas quenianas terem sido posteriormente integradas na AMISOM, que luta contra os fundamentalistas ao lado do exército somali. Desde então, radicais islâmicos realizaram inúmeros ataques no Quénia.
Khat: o narcótico que já faz parte da cultura da Somalilândia
A planta narcótica khat está tão profundamente enraizada na cultura local da Somalilândia que se tornou um fator importante na economia da região. Os críticos lamentam os efeitos disruptivos que tem sobre as famílias.
Foto: DW/J. Jeffrey
Sob o efeito da droga
Cerca de 90% dos homens adultos da Somalilândia mastigam khat. Querem sentir o "mirqaan", a palavra da Somália para o efeito que a droga produz, e gastam diariamente mais de 1 milhão de dólares (930 mil euros). "Os meus amigos emprestam-me o dinheiro", diz Abdikhalid quando questionado sobre como pode pagar o consumo se está desempregado. "Quando tiver trabalho de novo, vou retribuir o favor."
Foto: DW/J. Jeffrey
Energético
"Preocupo-me com os efeitos na saúde, mas ajuda-me com o trabalho", conta Nafyar, que trabalha durante a noite. Abdul, um jornalista local, masca khat quando tem um prazo a cumprir. "É melhor do que o álcool porque consegue-se agir normalmente depois", diz, com os dentes e a boca verdes de mascar a planta. "Afeta as pessoas de forma diferente: algumas preferem ler após mascar, outras trabalhar."
Foto: DW/J. Jeffrey
As "mães do khat"
Os clientes costumam comprar o produto às chamadas "mães do khat", mulheres que o vendem em bancas de rua. "Tinha uma loja e um café e comecei a vender khat pois queria expandir o meu negócio", diz Zahre Aidid, que vende esta planta há 22 anos. O negócio corre bem: tem a sua própria banca ao lado de um dentista no centro de Hargeisa; os clientes gastam entre 5 a 10 euros por dia em khat.
Foto: DW/J. Jeffrey
O khat e a guerra civil
"Muitas mulheres entraram no negócio do khat depois da guerra civil, pois era a única forma de sustentarem as famílias", conta Aidid. "Depois de começarem e de aprenderem a gerir o negócio, continuaram. São inúmeras as mulheres que agora vendem khat." Cerca de 20% das mulheres da Somalilândia também mascam khat e o número tende a aumentar. Normalmente consomem-no em privado.
Foto: DW/J. Jeffrey
Camiões do khat
O khat cresce no nordeste da Etiópia, de onde é depois importado em camiões que percorrem as estradas acidentadas através do deserto da Somalilândia. As bancas de venda exibem normalmente um número colorido que identifica o fornecedor, para ir ao encontro das preferências dos consumidores. "Existem cerca de 5 mil números", diz um cliente numa banca de venda com o número de fornecedor 725.
Foto: DW/J. Jeffrey
Implicações económicas
O khat tornou-se uma importante fonte de receitas para o Governo da Somalilândia. Em 2014, o orçamento do país era de cerca de 140 milhões de euros, 20% dos quais do setor do khat, diz Weli Daud, do Ministério das Finanças. Contudo, isso não impede os críticos de condenarem a influência disruptiva que o narcótico tem na vida familiar e de o relacionarem com o despesismo e a violência doméstica.
Foto: DW/J. Jeffrey
As famílias sofrem
"O marido deixa de fazer parte da família e cabe à mulher fazer tudo", diz a conselheira política Fatima Saeed. "Os homens sentam-se durante horas a mascar khat - é muito viciante. Pode causar alucinações, insónias, perda de apetite e outros problemas." Fatima considera que banir o khat não é uma solução realista, mas regular a venda poderia ajudar.
Foto: DW/J. Jeffrey
Muitas pessoas defendem o khat
"O khat une as pessoas, facilita a discussão de vários assuntos e a troca de informações", diz Adbul. "Aqui as pessoas juntam-se, conhecem os vizinhos e sabem quais são os seus problemas". É pouco provável que a Etiópia queira que estes encontros acabem: o país tem receitas de 485 milhões de euros anuais com a venda de khat para a Somalilândia.
Foto: DW/J. Jeffrey
O khat continua
"Não critico porque é o meu negócio", responde Aidid quando confrontado com os problemas que o narcótico causa. Saeed acredita que o atual governo não vai implementar qualquer regulação. A venda continua e os homens desaparecem durante horas a fio para mascarem as folhas de uma planta que os antigos egípcios consideravam sagrada. "Para perceber o khat, tem de o experimentar", diz Nafyar.