'Investir na Juventude para um futuro sustentável', é o lema da quinta cimeira da União Africana-União Europeia (29/30.11), em Abidjan. Os temas principais são a migração e a segurança, mas também o futuro dos jovens.
Publicidade
As aulas para refugiados no Uganda, quando acontecem, estão a ser realizadas em barracas ou em baixo de árvores. Não existem escolas para todos. Há quatro anos, Natalia Mbisimo Peace e sua família fugiram da guerra civil no Sudão do Sul rumo ao país vizinho, Uganda. "Desde então, eu não fui mais para a escola", contou a jovem hoje com 20 anos. Ela espera que um dia possa continuar seus estudos. Essas declarações também fizeram parte de um recente encontro entre a jovem Peace e representantes da União Europeia e das Nações Unidas em Bruxelas. Com isso, a jovem refugiada pretende chamar atenção para as questões de sua geração.
Educação como resposta
"Educação é o que mais precisamos", afirmou Peace. Mesmo quando há aula, muitas crianças e jovens não podem comparecer. Eles têm outras responsabilidades. Como, por exemplo, buscar água para suas famílias. Mohamed Malick Fall, da UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, dá toda razão à jovem. Mas a situação no Uganda não é uma exceção. Em seu próprio país, na Nigéria, o problema é ainda mais evidente.
"Somente na Nigéria, cerca de 10 milhões de crianças não vão à escola. Isso significa um quinto de todas as crianças que não têm acesso à educação em todo o mundo", calculou Fall. Tanto na Nigéria quanto no Uganda, são os conflitos violentos que mantêm as crianças longe da escola. "No Norte, enfrentamos grandes problemas com a organização terrorista muçulmana Boko Haram", revelou Fall.
"Meninas são forçadas a casar desde muito cedo. Aos 20 anos, elas já têm cinco ou seis filhos", disse Fall. E então, o sonho de estudar é enterrado em definitivo. Ainda assim, as mudanças climáticas, com seus consequentes desastres naturais, como, por exemplo, a seca, são outros agentes do problema. Fall preocupa-se, sobretudo, com o que está para vir. De acordo com as previsões da ONU, a população da Nigéria deve atingir os 400 milhões de habitantes até 2050. E nos próximos 80 anos a população de África deverá quadruplicar. Aproximadamente, um em cada dois africanos vai ter menos de 15 anos. Fall adverte para que medidas urgentes sejam tomadas agora.
Africa/Europa-Jovens - MP3-Mono
Oferta de trabalho ao invés de fuga
A União Europeia está preocupada com o futuro dessa população num continente confrontado com o terrorismo, a fome, a má governação ou ainda as catástrofes climáticas."É crucial que as crianças em África tenham acesso à educação", afirmou o comissário da União Europeia, Christos Stylianides, em entrevista à DW. Ele é responsável pelo departamento de ajuda ao desenvolvimento da União Europeia. Somente através da educação é possível mostrar aos jovens que "eles têm um futuro em África, que existe esperança para eles e para suas famílias", asseverou o político. Por isso, Stylianides aumentou o orçamento para educação oito vezes. "No entanto, isso ainda não é suficiente para dar conta de toda a demanda", destacou Stylianides.
Cécile Kyenge sabe bem o que acontece quando os jovens em África não conseguem ter uma perspectiva. Eles migram. Ela foi ministra da Integração na Itália e responsável por milhares de migrantes, que aportavam anualmente no país pelo mar mediterrâneo. Atualmente, deputada no Parlamento Europeu, ela é responsável pela Cooperação com a África. No entanto, para ela, somente educação não vai resolver a questão. "Os jovens deixam a África porque eles não enxergam uma perspetiva diante de tantos problemas políticos, legais e económicos", explicou Kyenge.
É por isso que a questão da migração deve ser confrontada em diferentes níveis. Os jovens precisam ter uma chance de construir uma carreira onde vivem. "Acredito que as empresas europeias, que já estão presentes em África, poderiam oferecer mais oportunidades de emprego para esses jovens", avaliou Kyenge. E, para aqueles que não conseguem vislumbrar um futuro no seu país, é preciso garantir rotas seguras e legais para a Europa, para que eles não morram mais afogados no mar mediterrâneo.
"África precisa assumir a responsabilidade de seu futuro”
Kyenge espera que as próximas cimeiras entre os chefes de Estado europeus e africanos, como esta que arranca nesta quarta-feira (29.11), na Costa do Marfim, tragam resultados concretos. Quem sabe assim o número de pessoas que arriscam suas vidas pelo sonho de ter mais dignidade na Europa não diminui? Mas a deputada não está confiante. Ela não acha que apenas a Europa seja responsável pela solução dos problemas. "Chegamos num ponto em que a África também deve assumir a responsabilidade do seu futuro e assumir o controle da situação", advertiu Kyenge. Como exemplo, a eurodeputada citou a luta contra os ditadores. Ela salientou, entretanto, que a Europa não deve, por isso, deixar a África sozinha.
Mohamed Malick Fall, da UNICEF, também considera importante que as mudanças necessárias sejam feitas pelos africanos. A partir daí, a União Europeia pode e deve apoiar a África. Fall está convencido de que as primeiras melhorias já são visíveis. "Na Nigéria, por exemplo, onde o Boko Haram está ativo, vejo todos os dias jovens professores, médicos e enfermeiras que realizam seus trabalhos sob risco de vida constante", contou.
"Mas não é por isso que se pode cometer o erro de pensar que esses problemas vão ser solucionados rapidamente", avisou Fall. Mesmo assim, ele permanece otimista: "Toda iniciativa que visa ajudar essas sociedades em áreas de conflito ou que tenham passado por desastres naturais a reconstruirem-se é um passo na direção certa. Tais ações podem dar mais esperança aos jovens em África. E assim diminuiria a quantidade de pessoas deixando tudo para trás para tentar a sorte na Europa", concluiu.
Refugiados: começar de novo no Uganda
Quem saiu dos países vizinhos para procurar uma vida melhor no Uganda pode construir uma casa, ter um emprego ou até ter um terreno só para si. Este é o resultado das decisões das autoridades do país.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma política liberal para os refugiados
O Uganda é um dos países com políticas mais liberais em relação aos refugiados. Cerca de meio milhão de pessoas de países vizinhos devastados pela guerra, como a República Democrática do Congo, Sudão do Sul, Somália ou Burundi, procuram abrigo no Uganda. Cerca de 100 pessoas chegam aos campos do sudoeste do país todos os dias.
Foto: DW/S. Schlindwein
Do Burundi ao Uganda, passando pelo Ruanda
Atualmente, refugiados, principalmente do Burundi, procuram abrigo no Uganda. Em julho de 2015, o burundês Pierre Karimumujango foi para o Ruanda, com a sua mulher e os seus três filhos. "Vivíamos em campos sobrelotados. É difícil conseguirmos ter estabilidade lá", diz. A partir daí, continuaram a sua viagem para o Uganda de autocarro.
Foto: DW/S. Schlindwein
Terem a sua própria terra
"Não tínhamos nada quando chegamos, sem ser as roupas que tínhamos no corpo", diz Karimumujango. O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas deu-lhe utensílios de cozinha, vasilhas de água, tendas e alimentos. O Governo do Uganda deu um pedaço de terra a cada família, onde poderiam construir uma casa e cultivar alimentos. O agricultor burundês plantava mandioca.
Foto: DW/S. Schlindwein
Ajuda exterior
Os recém-chegados recebem roupa em segunda mão, geralmente doações da Europa. O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas e várias organizações não-governamentais internacionais ajudam a fornecer bens aos refugiados. O Uganda é um país pobre e, sem ajudas, seria fortemente abalado pela grande onda de refugiados.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma cidade só para refugiados
O campo Nakivale no sudoeste do Uganda é o maior do país. Mais de 100 mil refugiados vivem numa área de cerca de 180 km² - é quase uma cidade. A terra, localizada na seca e praticamente inabitada savana, pertence ao Governo, que distribui as parcelas pelos refugiados, que podem construir as suas próprias casas.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma nova vida, junto aos compatriotas
Em Nakivale, os refugiados vivem em "distritos", de acordo com o seu país de origem. Desde o início da crise no Burundi no último ano, cerca de 22 mil burundeses procuraram asilo no Uganda. No campo de refugiados criaram uma "Pequena Bujumbura", batizada em honra à capital do seu país. Alguns deles vêm para o Uganda com todos os seus pertences e poupanças, para que possam começar uma nova vida.
Foto: DW/S. Schlindwein
Um novo mercado de trabalho
O centro de Nakivale é como uma pequena cidade: é possível encontrar carpinteiros, oficinas, alfaiates, cabeleireiros, lojas e farmácias. Muitos refugiados tentam retomar as profissões que tinham nos seus países de origem e há quem traga bens e ferramentas consigo e crie novos empregos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Refugiados como fator económico
Um moleiro burundês trouxe consigo o seu moinho para o Uganda. Michel Tweramehezu, de 16 anos, também do Burundi, ficou feliz por encontrar um trabalho no campo. "Não há muito para fazer aqui", afirma. O Governo do Uganda vê os refugiados como um potencial ativo económico, não é necessário visto de trabalho. Tudo aquilo de que precisam é ter um papel ativo numa área económica.
Foto: DW/S. Schlindwein
As políticas poderosas da África Oriental
Yoweri Museveni, Presidente do Uganda, gosta de se apresentar como o 'avô da região' e mantém um conjunto de políticas fortes, onde os refugiados têm um papel de relevo. Ativistas da oposição e rebeldes dos países vizinhos estão no meio daqueles que procuram refúgio no Uganda, que está ciente das dimensões políticas das medidas que adota em relação aos refugiados.
Foto: DW/S. Schlindwein
Desporto contra o ódio
Nos campos, os conflitos continuam: os Hutus e os Tutsis, do Ruanda, continuam a viver em diferentes distritos de Nakivale. Desentendimentos ocorrem com frequência, e é aí que a polícia do campo tem de atuar e mediar. O desporto é uma das formas usadas para reconciliar os povos. As competições de breakdance, um centro para a juventude e uma estação de rádio também ajudam a reduzir a violência.
Foto: DW/S. Schlindwein
Escassez de quase tudo
Olive Nyirandambyza saiu do leste da República Democrática do Congo (RDC) em 2007. Cinco dos filhos da mulher com 38 anos nasceram em Nakivale. Ela recebe 50 kg de milho mensalmente do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. "Muitas vezes, não é suficiente e o meu marido tem de ir até à cidade trabalhar para os ugandenses", diz. Falta-lhe sabão, produtos de higiene e medicamentos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Nos campos, só há escolaridade básica
A maioria dos habitantes de Nakivale são crianças em idade escolar. Há seis escolas primárias públicas e gratuitas no campo, geridas pelo Estado. Não há escolas mais avançadas e os estudantes do secundário têm de percorrer grandes distâncias até à aldeia mais próxima. A escola é privada e a maioria das famílias não consegue pagar as propinas.
Foto: DW/S. Schlindwein
Gado como forma de rendimento
Alguns refugiados, como os Banyamulenge do leste da RDC, os Tutsi do Ruanda ou os do Burundi, trazem as suas cabeças de gado com eles para Nakivale. Nos campos férteis de erva que circundam o campo de refugiados encontram bastante alimento. Para muitas famílias, o gado funciona como contas bancárias vivas. Para pagar as propinas escolares, as vacas são vendidas no mercado de gado de Nakivale.
Foto: DW/S. Schlindwein
É difícil regressar a casa
Ndahayo Ruwogwa acredita que irá morrer no Uganda. Aos 69 anos, perdeu o seu braço direito durante a guerra na RDC, o seu país natal. Vive em Nakivale há 13 anos, com a sua família de 13 pessoas. "Ao menos, há paz no Uganda. Temos a oportunidade de ter uma nova vida", diz. "O meu país continua em guerra. Provavelmente, nunca poderei regressar".