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"Angola deve cortar nas despesas para minimizar drama"

17 de março de 2020

Oposição angolana está preocupada com possível aumento do preço dos combustíveis. Subida da cesta básica já agravou a vida das famílias. Governo deve ter a coragem de cortar nas "despesas supérfluas", diz a UNITA.

Angola Ölförderung vor der angolanischen Küste
Plataforma petrolífera nas águas angolanasFoto: Getty Images/AFP/M. Bureau

Em entrevista à DW África, o economista angolano Faustino Mumbica, membro da União para a Independência Total de Angola (UNITA), diz que os impactos da subida do preço dos combustíveis e da cesta básica já têm consequências na vida dos angolanos. A situação é agravada pela descida dos preços do petróleo e pela pandemia do novo coronavírus

O membro do maior partido da oposição em Angola acredita que há condições para minimizar o drama social que se vive em Angola se o Governo de João Lourenço tiver a coragem de cortar nas despesas administrativas e apostar no setor social. 

DW África: A oposição está preocupada com o possível aumento do preço de combustíveis em Angola, sobretudo por causa das consequências sociais, e está a desaconselhar o Governo a fazê-lo. Acha que o Governo vai dar ouvidos aos apelos da oposição?

Comércio informal em AngolaFoto: picture-alliance/ZB/T. Schulze

Faustino Mumbica (FM): Na verdade, o Governo tem prestado pouca atenção ao que a oposição propõe. Portanto, o que nós nos acostumamos foi a ver o Governo, no fim de tudo, a acabar, de forma indireta, por acatar aquilo que a oposição, a regra e a própria sociedade propõem. Contudo, mesmo que o faça, mesmo que não leve em consideração as propostas da oposição neste ponto, entendo que, na verdade, o Governo não tem condições para subir o preço dos combustíveis.

DW África: Os preços da cesta básica em Angola já subiram. Portanto, um possível aumento dos combustíveis vai agravar ainda mais a vida dos angolanos?

FM: Sim. É de realçar que a subida dos preços da cesta básica está a ser bastante influenciada por vários fatores, com o grande destaque para o facto de grandes importadores serem, se não de forma direta, os governantes, mas de forma indireta são eles, através dos seus sócios, que fazem este processo. Há uma grande dificuldade de o país ter acesso a divisas e consequentemente está a encarecer os produtos, porque a maior parte dos importadores o fazem com recurso a divisas no mercado paralelo. Mas, por outro lado, também sabemos que mais do que isso está cada vez mais a florestar uma grande escassez de bens da cesta básica e consequentemente isso faz subir os preços. As pessoas estão a perder a cada vez mais o poder de compra e, na verdade, há aqui um cenário quase imprevisível em termos de impactos sociais que pode também ter grandes repercussões no plano político. 

DW África: O preço do petróleo, que já estava em queda por causa do avanço do coronavírus, piorou também com o fracasso das negociações entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Rússia, com esta "guerra" de preços de petróleo. Os impactos já se sentem na economia angolana e no dia-a-dia dos angolanos? 

"Angola deve cortar nas despesas para minimizar drama"

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FM: Já se sente no dia-a-dia sem dúvida, absolutamente. Basta olhar sobretudo para a escassez de determinados produtos. Por exemplo, nos últimos quatro, cinco dias, chama bastante a atenção a escassez de medicamentos que são considerados básicos. Estamos a falar de medicamentos para atender a doenças endémicas no nosso país, como o paludismo. Mas a verdade é que, infelizmente, as políticas adotadas continuam a insistir permanentemente na excessiva dependência do petróleo. E como se não bastasse, no que diz respeito, por exemplo, à própria política orçamental, não se notam medidas de contenção de autoridade. Mesmo que haja uma revisão do Orçamento, penso que não vai responder à crise que no plano orçamental o Executivo ou o país vai viver. 

DW África: E parece que também vêm aí dias piores para a atividade económica. A Comissão Económica da ONU para a África (UNECA) estima que a Angola pode enfrentar uma quebra na atividade e económica de mais de 10% devido aos preços baixos de petróleo e também a esta expansão do coronavírus. Este relatório da UNECA diz que os Governos africanos deviam aproveitar esta crise para melhorar o sistema de saúde e preparar pacotes de estímulos orçamentais. Acha que isto seria possível em Angola?

FM: Penso que seria possível. Repare que Angola tem, independentemente dos vários problemas, uma questão que considero endémica que está ligada à política orçamental. Há despesas exageradas, sobretudo em questões que podemos considerar supérfluas. Neste momento, o país está a gastar dois milhões de dólares na reabilitação, no aumento das instalações onde funcionam as administrações municipais dos governos provinciais, que eu penso que é um absurdo neste momento.

DW África: Portanto, a UNITA recomenda vivamente uma revisão orçamental?

FM: Uma revisão orçamental como tal, talvez não. Porque normalmente sempre que o executor faz uma revisão orçamental, "a corda rebenta sempre no ponto mais fraco". Significa que o Governo faz é normalmente reduzir cada vez mais as despesas em setores sociais. Agora, o que nós pensamos é que efetivamente se houver da parte do Executivo uma medida corajosa, dispensaria a revisão do orçamento. Era simplesmente suspender determinadas despesas no orçamento, já contribuiria bastante. 

UNITA pede corte nas despesas administrativas angolanasFoto: DW/N. Borralho

DW África: Deveria apostar mais no setor social?

FM: Exatamente. Ao invés de mexer no setor social era simplesmente olhar para a despesas administrativas, que são despesas que acabam por dizer mais respeito aos cargos de direção da administração pública, aos próprios governantes. O que mais se exige nesta fase é ainda no plano da despesa, olhar-se para aquelas despesas que podem ser proteladas. 

DW África: Os peritos acreditam que países como Angola não vão ter o dinheiro que precisam para reagir à pandemia do coronavírus, porque enfrentam outro perigo. Por um lado, são atacados por vírus e, por outro, pelo abrandamento do crescimento económico. Prevê dias ainda mais difíceis para os angolanos agora? 

FM: Sim, até porque os angolanos já vivem dias difíceis. Na verdade, se nós tivéssemos sistemas de informação que atuassem com alguma eficácia e eficiência, já estariam a esta altura a revelar indicadores que poderiam estar mais próximos do que está a acontecer na realidade da vida dos angolanos. Os angolanos estão a viver um drama neste momento. Olhando para todo este quadro, penso que na verdade não há outra coisa que espere os angolanos se não dias piores. Contudo, continuamos a insistir que se houver coragem da parte do Executivo haverá condições para minimizar este drama. Portanto, o impacto negativo que se espera do que está a ocorrer no mundo e no nosso país pode ser minimizado na economia angolana, se o Governo tiver a coragem de fazer determinados cortes orçamentais.

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