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Vacina contra coronavírus: o lucro e a saúde pública

Nicolas Martin | ad
4 de maio de 2020

O milionário e filantropo Bill Gates quer que a vacina para a Covid-19 chegue primeiro aos mais necessitados em África, América Latina e Ásia. Mas Gates teme que seja o poder de compra a definir a distribuição da vacina.

Foto: Getty Images/D. Greedy

É praticamente consensual entre a comunidade médica e científica de que serão necessários pelo menos 18 meses para que uma vacina contra o novo coronavírus seja desenvolvida e distribuída com êxito.

Enquanto alguns investigadores estão mais otimistas quanto à rapidez do processo, outros alertam que o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus poderá demorar mais tempo. Esta segunda-feira (04.05), altos dirigentes governamentais, representantes da União Europeia e da Fundação Bill e Melinda Gates lançaram uma campanha para angariar pelo menos 7,5 mil milhões de euros (8,2 mil milhões de dólares) para o financiamento de uma agência global de distribuição de vacinas sob a égide da Organização Mundial de Saúde (OMS).

No entanto, surge agora uma questão crucial, tanto para a indústria farmacêutica, como para os políticos de todo o mundo: que países devem receber primeiro a vacina?

À DW, a especialista alemã em saúde Ilona Kickbusch diz que as autoridades sanitárias de todo o mundo estão a trabalhar para encontrar uma solução viável para a questão da distribuição. No entanto, acrescenta que, "por enquanto, não existem regras internacionais que visem a partilha da vacina de forma equitativa."

Lucro ainda é prioridade

Jürgen Wasem, professor de Gestão da Saúde na Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, observa que a investigação e o desenvolvimento de medicamentos são geralmente impulsionados pelo próprio mercado.

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"Isto coloca o risco de os mercados da Europa Ocidental, do Japão e dos Estados Unidos da América serem abastecidos em primeiro lugar, porque os pacientes desses países têm maior poder de compra", afirma. "Este problema acontece em todos os mercados mundiais de produtos farmacêuticos."

Wasem revela até que, por vezes, as empresas tentam manter a oferta artificialmente baixa para conseguir elevar os preços de mercado. Segundo o professor universitário, alguns tratamentos nem chegam a ser desenvolvidos devido à escassez de "incentivos comerciais" para o empreendedor.

Privados lideram corrida à vacina contra Covid-19

Apesar dos interesses privados na investigação e desenvolvimento de medicamentos, Wasem continua a acreditar fortemente numa abordagem orientada para o mercado, especialmente na atual procura de um tratamento para o coronavírus.

"O que estamos a observar é uma série de iniciativas concorrentes, das quais algumas poderão vir a ter êxito. O desenvolvimento de vacinas é muito caro e repleto de riscos", afirma o professor universitário.

Até ao momento, as esperanças na luta global contra a pandemia Covid-19 recaem principalmente sobre os ombros de quatro grandes entidades e de um grande número de pequenas empresas biotecnológicas. No total, já foram lançados quase 80 projetos diferentes de vacinas, e muitas das empresas entraram em fusões temporárias para partilhar o fardo. A empresa alemã Biontech, por exemplo, juntou-se à gigante farmacêutica norte-americana Pfizer.

Ainda ao longo deste ano deverão começar os testes clínicos de mais de uma dúzia de vacinas diferentes contra a Covid-19, sendo que as mais promissoras estão a ser desenvolvidas na China, nos Estados Unidos da América e na Alemanha.

Um fornecedor global?

No entanto, no meio da pandemia, os governos e as autoridades sanitárias internacionais estão receosos de deixar a distribuição global de uma possível vacina às forças do mercado, receando estrangulamentos no abastecimento e preços exorbitantes.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou recentemente que o futuro tratamento para a Covid-19 é "um bem público" que deve ser colocado à disposição de todos. Esta perceção é partilhada pela chanceler alemã, Angela Merkel, que espera um acordo global sobre a questão.

Na Alemanha, a maioria das gigantes farmacêuticas já se disponibilizou para integrar uma possível agência da OMS para a distribuição global da vacina. Numa declaração enviada à DW, Han Steuter, chefe do grupo da indústria farmacêutica VFA, afirma que as empresas estão plenamente empenhadas em "disponibilizar tratamentos inovadores contra a Covid-19 a nível mundial e a preços acessíveis."

Pacto de risco

Os acordos comerciais entre a indústria e os governos ainda se mantêm em segredo. Mas David Loew, vice-presidente executivo da farmacêutica suíça Sanofi Pasteur, exige um "pacto de risco" entre as empresas e a política, para partilhar o fardo financeiro.

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"O que precisamos são garantias da política de que um determinado volume [da vacina contra o coronavírus] será comprado a um preço específico", afirmou Loew ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, referindo que as empresas teriam de se preparar para a produção a fim de satisfazer a enorme procura que haverá pela vacina.

A localização é importante

Ainda não é claro se os Estados Unidos da América se irão juntar ao esforço global para a criação de uma agência de vacinas da OMS depois do Presidente Donald Trump ter cancelado a participação de uma delegação americana na reunião desta segunda-feira para angariar fundos.

Afinal, os EUA, ao contrário da UE, já têm uma agência de vacinas própria, denominada Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA). Este organismo está a trabalhar em estreita parceria com vários líderes da indústria, incluindo empresas europeias como a Sanofi, para garantir que o tratamento ao coronavírus esteja disponível no mercado norte-americano.

As autoridades sanitárias alemãs também deixaram claro que a vacina deve ser produzida na Europa, "de forma a garantir um abastecimento seguro", afirmou recentemente o ministro da Saúde, Jens Spahn.

Já o filantropo e fundador da Microsoft, Bill Gates, está preocupado com a possibilidade de os países mais pobres de África, da América Latina e da Ásia serem os últimos a receber a vacina, se o factor de decisão for o poder de compra.

O professor Jürgen Wasem considera altamente provável que, na hora da verdade, "a disposição das economias de pagar" irá determinar quem terá prioridade na distribuição da vacina.

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