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Vale Moçambique é acusada de abandonar trabalhadores doentes

Jovenaldo Ngovene (Tete)
10 de agosto de 2021

Trabalhadores denunciam que empresa estaria a adulterar atestados médicos para eximir-se de responsabilidades. Vale diz que garante assistência médica e toma decisões baseadas em laudos de "autoridades competentes".

Carvão da mina de MoatizeFoto: DW/J. Beck

A mineradora Vale Moçambique é acusada de estar a abandonar os colaboradores que ficaram doentes por causa da exposição ao pó do carvão extraído no distrito de Moatize, na província de Tete. 

Rui Mário Matongue, de 26 anos, operou as máquinas da mineradora durante cinco anos e diz que contraiu uma doença pulmonar devido ao consumo passivo do pó de carvão durante a atividade. Agora não pode trabalhar, está sem salário e sem dinheiro para pagar as despesas de saúde. 

Pai de dois filhos, Matongue refere que não recebe assistência médica, apesar de, todos os meses, lhe ter sido descontado do salário a prestação do seguro de saúde. 

"Estou a morrer aos poucos e não sei qual será o meu destino sem receber um salário. Nós estamos a ser feitos de escravos. A gente trabalha para beneficiar certas pessoas e o salário que é bom, nós não temos. Pode não ser uma grande coisa, mas o problema é a falta de consideração", desabafa o jovem.

Extração de carvão deve obedecer a medidas de segurança à saúdeFoto: DW/J. Beck

Pneumonia "forjada"

Matongue afirma que a empresa pagou as despesas médicas depois de uma intensa disputa. Segundo a versão do trabalhador, a Vale disse que não custearia as despesas de alimentação e acomodação para ir a uma consulta em Maputo, podendo apenas ceder os bilhetes de voo.

Na capital, Matongue foi atendido por uma médica que, segundo diz o trabalhador, teria "adulterado" os resultados dos seus exames, supostamente a pedido de médicos da empresa. "Eu tenho a certeza que ela teve comunicação com os médicos da empresa, que a orientaram a adulterar os resultados. Ela está a dizer que tenho tuberculose, mas não tenho nenhum sintoma de tuberculose". 

Antes de ir para Maputo, o trabalhador diz que fez um exame para saber se estava com tuberculose e a doença não foi constatada, por isso não compreende as alegações da médica após a consulta na capital moçambicana. Voltando a Tete, ele terá feito um segundo exame. "Deu negativo e não tenho nenhum sintoma. Tudo o que a empresa está a explicar é mentira", acusa. "No nosso contrato, aparecem todos benefícios. Quando estamos doentes eles tentam fugir da responsabilidade."

Trabalhadores na mina de carvão em TeteFoto: DW/J. Beck

Contactado pela DW, o advogado Bento Salazar comenta que, existindo elementos que estabelecem uma relação causal entre a profissão e a doença, "não é legítimo, razoável nem muito menos profissional que um empregador se exima das suas responsabilidades", protesta.

O que diz a empresa?

Em comunicado, a Vale Moçambique respondeu à DW salientando que as suas decisões são baseadas apenas em "factos, exames e outros elementos comprovativos emitidos pelas autoridades competentes". A empresa afirma que, desde que Matongue informou que tinha problemas respiratórios, a empresa "garantiu atendimento médico personalizado em Tete e em Maputo, com todas as despesas pagas pelo seguro de saúde, em vigor na empresa". 

O trabalho insalubre no meio da mina de carvãoFoto: Getty Images/AFP/G. Guercia

A Vale Moçambique insiste que apoiou não somente Rui Mário Matongue, mas outros trabalhadores que apresentaram problemas de saúde após trabalharem na extração de carvão mineral em Tete. A empresa garante que prestou assistência a todos com base em relatórios médicos especializados "emitidos por autoridades competentes", segundo o comunicado.

Alguns casos semelhantes ao de Matongue foram levados ao Centro de Arbitragem, Conciliação e Mediação (CACM) - uma entidade que não detém um papel coercivo, mas persuasivo para a prevenção e resolução de disputas de natureza comercial e laboral. O representante do CACM, Lourenço Fernandes, lembra que "houve consenso" em alguns casos.  

Outras acusações

Além disso, a Vale é acusada de efetuar demissões em massa, sem aviso prévio ou justa causa. "Fui demitido injustamente, sem nenhuma indemnização. Lá trabalham como se não estivessem em Moçambique, é como se estivessem noutro país, porque lá as pessoas não têm voz", diz o antigo trabalhador da mineradora, Emílio Pires.

Outro antigo colaborador da Vale, Nelson António Faraguana, sublinha que esta questão não é recente na empresa. Para Faraguana, a empresa tem sido injusta com os seus trabalhadores e muitos destes casos não vêm a público porque as pessoas ficam em silêncio: "Eles pisam muito nos seus próprios trabalhadores, você não tem voz. Eles dizem que a vida está em primeiro lugar, mas não é o que acontece. Quando você tem problemas de saúde, não querem ouvir que você tem problemas de saúde", denuncia.

Mineradora Vale tenta extrair 15 milhões de toneladas de carvão por anoFoto: Getty Images/AFP/G. Guercia

Salazar aconselha os trabalhadores que se sentem lesados a levar a empresa ao tribunal. "Recorrer ao Ministério Público, que é a área que vai tutelar sobre a legitimidade ou legalidade dos atos praticados pelo empregador. É uma área interessada nesta questão para acautelar a legalidade dos atos", explica o advogado.

No comunicado enviado à DW, a empresa nega ter implantado qualquer programa de redução de pessoal e diz que tenta manter um bom ambiente para os trabalhadores. A Vale ressalta no texto que, na sua atividade, "procura apoiar o desenvolvimento dos trabalhadores e ser uma empresa de referência para trabalhar, com ambiente propício para o crescimento profissional".

A nota reitera que a Vale desenvolve as suas atividades seguindo "valores de ética" e "a Lei de Trabalho vigente".

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